Podemos, claro, já estar diante de mudanças na
distribuição e na alteração de períodos chuvosos, pelo aquecimento global, mas
estiagens regionalizadas não são e nunca foram novidade. As cheias e inundações
também não. Veranicos, por exemplo, sempre estiveram presentes na vida de
muitos brasileiros em diferentes pontos do nosso território. Por que, então, o
sentimento atual de que tais ocorrências não estejam apenas sendo agravadas,
mas sejam fenômenos com características inteiramente atuais? Vamos discutir um
pouco isso.
Em primeiro lugar, temos de considerar o crescimento
rápido da população. Crescimento que pressiona o ambiente por demanda de produtos
e pela alteração das superfícies, interferindo num equilíbrio que foi
construído por muitos e muitos anos; até mesmo por séculos ou milênios. Onde
estão, por exemplo, as antigas e decantadas garoas da cidade de São Paulo?
Foram engolidas pela intensa ocupação territorial e consequente formação da
ilha de calor, capaz de inibir quaisquer tentativas de condensação. A ocupação
territorial também impermeabilizou as superfícies, interferindo no ciclo
hidrológico, e invadiu as margens, tomando os espaços que a natureza criou para
os cursos d’água escoarem os maiores volumes de água gerados pelas chuvas
intensas de verão. Foi colocada, também, uma grande região metropolitana nas
cabeceiras de rios, demonstrando ausência de preocupação com o futuro abastecimento
de água. E olha que as represas da Cantareira já não enchem mais, pois a
retirada de água está além dos volumes recebidos por elas.
Em segundo lugar, no caso das cidades, a ocupação sempre foi feita com base em ações não planejadas ou em urbanismo apenas estético, sem nenhum respeito ao ciclo hidrológico. Em muitos casos, a própria engenharia de ocupação demonstrou, e continua a demonstrar, ausência de conhecimento dos ecossistemas hidrológicos que coexistem nos espaços ocupados. Com isso foram criadas as condições para formação de fortes enxurradas e menosprezadas as suas forças demolidoras. No caso recente das enchentes em Minas Gerais, por exemplo, eu vi a informação de que 70% de uma pequena cidade, que foi inundada, está concentrada nas margens de um rio que vem de longo percurso por região montanhosa e, portanto, naturalmente sujeito a aumentos repentinos de vazão. Seria altamente desejável, nesse caso, pensar em replanejamento urbano.
Mas uma coisa precisa ficar bem clara, trabalhar com
recursos hídricos exige um bom conhecimento dos ecossistemas hidrológicos.
Conhecimento que vai fundamentar tanto a produção de água para os
abastecimentos demandados, como os procedimentos capazes de diminuir a geração
de grandes volumes de enxurradas. E, também, a disponibilização de espaços de
circulação dos volumes que não puderem ser retidos por ocasião de eventos
extraordinários. Mas para conhecimento de ecossistema hidrológico precisamos
desenvolver uma hidrologia aplicada ao assunto, pois a hidrologia tradicional,
ensinada essencialmente no país, não está preparada para isso.
Fui e continuo sendo avesso às críticas pelas críticas e sempre faço uma tentativa de apontar algum caminho que possa levar a uma ação positiva. E por isso e por acreditar que muitos fracassos de tentativas ambientais feitas para minimizar danos hidrológicos são resultados da ausência ou da visão inadequada sobre os ecossistemas hidrológicos, juntei-me a mais dois colegas e criamos a Faculdade da Água, um canal de acesso livre no YouTube, já com 45 vídeos postados (link abaixo). A intenção é discutir ecossistemas hidrológicos em pequenas bacias hidrográficas, tratadas como fábricas naturais de água. A primeira atividade está sendo um curso de produção de água em pequenas bacias hidrográficas e a maioria dos vídeos, até agora postados, tratam dos fundamentos que balizam os comportamentos hidrológicos de pequenas bacias, onde os fenômenos podem ser melhor analisados e compreendidos. Vale lembrar que as grandes bacias nada mais são do que o somatório das pequenas.
Você, leitor, poderá estranhar a razão de tantos vídeos, mas eles são curtos, média de 20 minutos cada, e discutem, com bastante detalhes, conceitos, medições, interações e aplicações dos diversos componentes do ecossistema hidrológico. A linguagem é simples, visando atingir principalmente quem está lidando no campo. Por isso, nada de equações e modelos matemáticos tão comuns na hidrologia tradicional. (ecodebate)
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