Desde
24/12/2021, 3 ondas de calor atingem o território do Rio Grande do Sul, com
temperaturas acima da média para o período. E, há quase duas semanas, uma onda
de calor faz com que, diariamente, tenhamos registros oficiais acima dos 40ºC e
sensação térmica beirando os 50ºC.
Este
calor intenso provocou temporais extremos, chuvas fortes localizadas, maior
quantidade de raios, ventanias como as micros explosões por várias regiões do
estado: em Quaraí (14/01/22), em Guaíba (17/01/22), e em Iraí (24/01/22). Os ventos chegaram a 150 km/h nestas comunidades e outros
temporais foram registrados em dezenas de cidades gaúchas com muitos estragos.
Ao mesmo tempo, a estiagem assola mais de 300 municípios, os quais já
decretaram situação de emergência. A falta de água se repete no verão, nos
últimos três anos, mas de modo crescente nas últimas duas décadas.
O
Rio Grande do Sul e o Brasil têm registros oficiais de eventos climáticos
extremos há mais de um século, conforme a literatura científica, os registros
meteorológicos e a memória coletiva da população, como secas, estiagens, cheias
(enchentes e inundações), vendavais, deslizamentos de encostas e ondas de
calor. Contudo, as mudanças climáticas se caracterizam pelo aumento da
frequência e da intensidade desses eventos, cujos impactos dificultam o acesso
aos bens comuns, principalmente a água. As consequências alcançam os grupos
sociais e setores produtivos: desde o abastecimento urbano até a agricultura e
a economia, da conservação da biodiversidade e plenitude dos ecossistemas até
os impactos no cotidiano e na saúde da população.
Projeções sobre esses impactos, descritas nos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima/IPCC, sobre o aquecimento da atmosfera terrestre, se confirmam, em especial o último, que acusou aumento de 1,6ºC sobre os continentes. O desenvolvimento capitalista, desde o século 19, joga os lucros para o alto da pirâmide social e, as emissões de gases de efeito estufa/GEE, muito acima dos limites, aceleram a mudança global do clima. Entre as evidências, temos os últimos sete anos como os mais quentes já registrados, sendo que países, entre eles o Brasil, são classificados como mais vulneráveis, também em função das menores condições de adaptação, como a falta de políticas socioambientais que respondam à altura da necessidade e da realidade. Pelo contrário, pouco ou nada foi planejado para responder aos impactos. Vale reforçar que o sexto relatório lançado em 2021 é a versão mais atualizada de uma série de documentos produzidos pelo IPCC desde 1990, a partir da análise de mais de 14.000 artigos científicos e aprovado por cientistas de 195 países.
Há projeções do IPCC para cada região do país, relacionadas aos seis biomas brasileiros: Pampa, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Amazônia. Os rios voadores formados pela evapotranspiração das árvores na Amazônia, por exemplo, abasteciam 70% das chuvas no Sudeste e no Sul do Brasil, mas já é evidente a alteração do regime de chuvas nessas regiões devido ao desmatamento e às respectivas emissões de GEE na região Norte. Outras projeções extrapolam o território nacional, como os fenômenos El Niño, La Niña e o aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico. A intensificação do fenômeno La Niña é uma consequência da mudança do clima e responsável pela persistente estiagem no RS.
As
mudanças climáticas ampliaram as dificuldades de acesso à água. Pois, a
combinação de alterações do clima, como a falta de chuva, ou em quantidades
menores do que as registradas no passado, aliada a altas temperaturas e
ocasionando altas taxas de evaporação, é agravada pela degradação ambiental dos
ecossistemas. Seja pela poluição dos rios gaúchos seja pelo desmatamento das
matas ciliares e de outras Áreas de Preservação Permanente (APP), como
nascentes e banhados que são aterrados ou drenados e, a falta de arborização
urbana. Sem esquecer a perda de extensas áreas de Mata Atlântica e a conversão
de áreas naturais do Pampa para o uso intensivo de água, através das
monoculturas de soja, arroz ou arbóreas, em especial o eucalipto. De fato, os
usos da água são: 70% para a agropecuária, 20% para a indústria e, somente 10%
para as residências. No entanto, o foco das campanhas por economia de água
continua sobre o uso doméstico.
No
presente, essa combinação de fatores leva a uma crise socioambiental com
potencial trágico e fatal porque aumenta a frequência e a mortalidade
decorrentes das ondas de calor: só em São Borja houve o dobro de mortes de
idosos em 2021 na comparação com 2020. O aquecimento global afeta também
crianças, pessoas com comorbidades e todas as pessoas empobrecidas pelo sistema.
Por isso, as mudanças climáticas devem ser associadas à questão de classe, pois
é a classe trabalhadora que tem as menores condições de se adaptar. A começar
pelo calor intenso no trabalho, em um contexto com milhões de desempregados,
trabalhadores precarizados e sem direitos. O calor maltrata quem trabalha em
ambiente fechado ou como ambulante na rua, no deslocamento pelo transporte
público sem qualidade, ou nas moradias onde não há eletrodomésticos de primeira
necessidade, como se tornaram os ventiladores e/ou ar condicionados. Tampouco
teriam condições de pagar pelo aumento do consumo na conta de luz. No meio
urbano, a característica falta de água na periferia, tem o racionamento mais
severo em relação aos bairros centrais.
No
meio rural, a perda de cultivos agrícolas, principalmente da agricultura
familiar, encarece o alimento da população e recrudesce a insegurança
alimentar. A Emater/Ascar RS identificou, nesta semana, 21 mil famílias com
dificuldades de acesso à água, e efeitos da estiagem em nove mil localidades,
253 mil propriedades.
Os
negacionistas não compreendem que todos são afetados pelas mudanças climáticas
e assim não reconhecem a proporção diferenciada: mais de 30% dos minifúndios
tem 80% de área afetada. Enquanto que, se observarmos apenas o percentual de
imóveis rurais impactados, conforme a Agência Nacional das Águas (ANA), entre o
minifúndio, a pequena propriedade e a média propriedade, todos ultrapassam 70%.
O negacionismo e a simplificação dos dados embasam as políticas públicas dos governos
Eduardo Leite (PSDB) e Jair Bolsonaro (PL), direcionadas ao grande capital no
campo brasileiro, o agronegócio, com o apoio das bancadas ruralistas e da
economia imediatista na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional.
Além
de superar o negacionismo climático vigente, é necessário derrotar esses
governos gerentes de um sistema insustentável, social e ambientalmente, e suas
políticas que aprofundam o círculo vicioso de uma economia responsável pela
emergência climática, em vez de revertê-la. E, também, não podemos achar que
pode haver saídas dentro desse modelo, como a maioria das propostas
apresentadas pelo establishment nas Conferências das Partes (COP), que
transformam a natureza em mercadoria. O capitalismo tem em sua essência a
exploração, a concentração de capital, o uso e o consumo ilimitados de bens
pouco duráveis por uma minoria, faltando bens essenciais para a maioria.
Não é possível mitigar os efeitos das mudanças climáticas sem enfrentar a verdadeira causa: a incapacidade capitalista em aceitar viver dentro dos limites do próprio Planeta Terra. Portanto, sem a transição para outro modelo, com medidas anti-sistêmicas, a favor dos processos ecológicos essenciais e, para atender as necessidades da maioria da população (99%), e não dos 1%, a tendência é ultrapassar os 2ºC, cujas projeções do IPCC são de um mundo ainda mais inóspito, do que nestes dois últimos anos pandêmicos, para a própria espécie humana.
Ademais, a Unafisco mostrou em 2020 que, no Brasil, 0,1% da população detinha 30% dos bens e direitos líquidos declarados no Imposto de Renda Pessoa Física, ou 0,67% dos declarantes (220.220 contribuintes). Por essa desigualdade social, pela fome, pela destruição ambiental e pelas mudanças climáticas, urge o desafio de concretizarmos ações que nos conduzam para superar o atual paradigma hegemônico capitalista ecocida. (ecodebate)
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