O arquipélago que abriga
Trindade pertence a uma cadeia de montanhas submarinas do Atlântico numa linha
reta que vai do Estado do Espírito Santo em direção à África e possui uma área
de 9,2 quilômetros quadrados. A Ilha surgiu há aproximadamente 3 milhões de
anos depois de uma série de explosões vulcânicas.
O aumento da produção e do
consumo de novos materiais, a partir do desenvolvimento tecnológico, tem
ampliado a capacidade de os seres humanos influenciarem o ciclo geológico da
Terra, tornando-nos capazes de alterar irreversivelmente esses processos. A
poluição, encontrada especialmente no ambiente marinho e ocasionada, em grande
parte, pelos materiais plásticos, pode alterar até mesmo os cenários de fauna e
de flora do ambiente terrestre.
É o que sugere um artigo
publicado por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de outras
instituições brasileiras no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma
ScienceDirect (Elsevier). Os autores encontraram novos dados que comprovam que
o homem está atuando como agente geológico e ocasionando a geração de novas
rochas, a partir da poluição marinha.
Antropoceno – O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais. O tempo geológico, que embasa importantes teorias fundamentais da ciência moderna –como a Teoria da Evolução –, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje.
Pesquisadores encontram rochas formadas por plástico na Ilha de Trindade.
O estudo relata a ocorrência
de rochas idênticas às naturais, mas compostas por plástico no Parcel das
Tartarugas, região da Ilha da Trindade – ilha vulcânica localizada a 1.140
quilômetros de Vitória (Espírito Santo) e administrada pela Marinha do Brasil.
O local é uma importante reserva marinha do Atlântico Sul e uma Unidade de
Monumento Natural Brasileiro. As rochas constituídas por plástico foram
identificadas próximo à maior região de ninhos da tartaruga-verde (Chelonia
mydas) e de recifes de caracóis marinhos do Brasil.
Pertencente à chamada
Amazônia Azul – área com riquezas naturais e minerais abundantes que apenas o
Brasil pode explorar economicamente –, a ilha é habitat natural de aves
marinhas e alberga um ecossistema frágil e único que inclui espécies endêmicas
de peixes e diferentes conjuntos recifais.
A descoberta de Fernanda
Avelar Santos, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR,
aconteceu durante atividades de mapeamento geológico na Ilha.
“Identificamos quatro tipos
de formas de detritos plásticos, distintos em composição e aparência. Os
depósitos plásticos na plataforma litorânea recobriam rochas vulcânicas;
sedimentos da atual praia compostos por cascalhos e areias; e rochas praiais
com superfície irregular devido à erosão hidrodinâmica”, descreve a
pesquisadora.
Os plastiglomerados, análogos
às rochas sedimentares, foram relatados pela primeira vez no Havaí, em 2014.
Outro material identificado na ilha brasileira foi o plastistone, similar às
rochas ígneas e com composição predominantemente plástica. O elemento foi
encontrado recobrindo rochas vulcânicas existentes na região, que registram o
último episódio de vulcanismo ativo no Brasil.
“Além disso, observamos
piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra”, revela
Fernanda.
Os materiais retratados no artigo foram visualizados em campo em 2019 e possuem, no máximo, duas décadas de existência. Amostras coletadas passaram por análises laboratoriais que permitiram reconhecer diferentes formas de detritos plásticos. A autora explica que o fenômeno local-único ocorre acima de dois tipos diferentes de substratos – que estabelecem a ligação entre o substrato geológico e as formas plásticas.
Esta ilha brasileira contém rochas formadas por plástico.
Antropoceno: a era das
consequências promovidas pelos homens no tempo geológico.
A principal contribuição do artigo
é o reconhecimento de que os seres humanos estão se comportando como agentes
geológicos e influenciando os depósitos sedimentares. Com base nas intervenções
humanas, os autores alertam que é necessário questionar o que é verdadeiramente
natural.
Para a pesquisadora e
coautora Giovana Diório, mestranda em Geologia na UFPR, o atual comportamento
das pessoas em relação à poluição marinha está provocando uma mudança de
paradigma da Geologia clássica, que possui uma perspectiva pré-antropocênica,
ou seja, que entende os processos antigos da história da Terra a partir de uma
concepção baseada no período anterior à interferência significativa do ser
humano nos processos naturais.
“As ocorrências mostram que o
impacto humano, assim como os seus resíduos, estão tão presentes no meio
ambiente que começaram a influenciar processos antes considerados
essencialmente naturais, a exemplo da formação de rochas”, pondera Giovana.
“Ao longo do tempo geológico,
os principais agentes transformadores dos registros da Terra eram naturais. Por
exemplo, processos tectônicos e mudanças climáticas. No entanto, a ação humana
nos tempos atuais está tão penetrante que está modificando o planeta de forma
mais acelerada do que os processos naturais”, declara a autora principal do artigo,
que exemplifica: “ao destruirmos montanhas para exploração mineral ou
realizarmos a construção de estradas, em semanas ou poucos anos essa montanha
pode ser aplainada. Em um contexto de erosão natural, esse processo levaria
milhares ou milhões de anos”.
O processo de formação de uma rocha a partir da poluição marinha, por exemplo, é rápido e depende de três etapas, nas quais o ser humano atua como principal agente geológico: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho ou costeiro; arranjo e deposição do lixo em um local da praia, que ocorre quando as pessoas juntam o lixo a fim de descartar ou fazer fogueira; e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo, que derrete o plástico interage com os sedimentos da praia formando cimento plástico e, consequentemente, essas rochas.
Para o geólogo Carlos Conforti Ferreira Guedes, professor do departamento de Geologia da UFPR e colaborador no artigo publicado, é necessário preservar estratigraficamente o impacto humano na Terra. A análise sedimentar e estratigráfica é o estudo e a descrição dos sedimentos e rochas sedimentares para interpretar como eles foram formados.
Ele explica que, com os
materiais não-naturais, como lixo e plásticos, ocorrendo de forma
indiscriminada na natureza, eles passaram a participar dos processos
sedimentares e a se acumularem junto às rochas clássicas, ficando preservados
no que se chama de registro geológico. “Quando os geólogos do futuro forem
analisar as rochas deste período, poderão reconhecer o impacto humano na Terra
pela identificação desses materiais não-naturais junto aos materiais naturais”,
reflete.
Apesar de ainda não ser
possível definir os impactos dessas rochas compostas por plásticos para o
meio-ambiente e como elas irão se comportar no registro geológico, Fernanda
sugere que as Geociências comecem a considerar a ação humana, assim como os
materiais antropogênicos, como atributos fundamentais nos processos recentes.
“Atualmente, os conceitos
clássicos da Geologia consideram apenas os fatores naturais como preponderantes
para definir termos, como a definição de rocha. Em uma perspectiva do
Antropoceno, estes critérios precisam ser atualizados e integrar a ação humana
como aspecto fundamental. Dessa forma, poderemos entender de que modo estamos
impactando o sistema terrestre atual e buscar soluções para amenizar e
construir um futuro geológico em harmonia com os sistemas naturais”, alerta a
cientista.
O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais.
O tempo geológico, que embasa importantes teorias fundamentais da ciência moderna – como a Teoria da Evolução –, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje. (ecodebate)
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