O crescimento
demoeconômico e o recorde de anomalia da temperatura em setembro de 2023.
Julho/2023 foi o mais quente em valor absoluto, mas o mês de setembro de 2023 apresentou a maior anomalia da temperatura, chegando em torno de 1,8ºC, em relação ao período 1850-1900, conforme indicado no gráfico abaixo. Nos primeiros 9 meses de 2023 houve 86 dias com temperaturas acima de 1,5ºC.
O desequilíbrio climático não começou agora. Na verdade, o crescimento global da população e da economia gerou um volume tão grande de produção de bens e serviços que superou a capacidade da Terra em fornecer os serviços ecossistêmicos capazes de atender, de forma sustentável, toda a demanda antrópica por recursos naturais, assim como gerou uma enorme quantidade de resíduos líquidos e sólidos que poluem os solos, as águas e o ar.
A evolução da
expansão humana no Planeta ultrapassou diversos limites planetários e provocou
uma desestabilização energética do Sistema Terra, revertendo as condições
favoráveis para os avanços civilizacionais.
O Homo sapiens surgiu
há cerca de 200 mil anos e, por milênios, conviveu com altas taxas de
mortalidade que ameaçavam a sobrevivência da espécie. Em consequência, a
população humana só chegou ao redor de 200 milhões de habitantes no ano 1 da
Era Cristã. Por volta de 1800, chegou a 1 bilhão de habitantes, com uma renda
per capita praticamente estagnada durante milênios. No início do século XIX, a
população mundial tinha uma mortalidade na infância de aproximadamente 400
mortes para cada mil nascimentos e uma expectativa de vida ao nascer de cerca
de 25 anos. Mais de 80% da população global estava abaixo da linha da extrema
pobreza.
Este quadro
desfavorável começou a mudar com o avanço da Revolução Industrial e Energética
que teve início no final do século XVIII e que propiciou o aumento exponencial
da produção de bens e serviços a partir da utilização generalizada de energia
extrassomática. O ano de 1769 é considerado um marco, pois foi quando James
Watt (1736-1819) patenteou a máquina a vapor, dando início à queima, em larga
escala, dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás).
Especialmente no
século XX, houve uma forte sinergia entre economia e demografia. Os estudiosos
de população já haviam mostrado que a redução das taxas de mortalidade e
natalidade eram um pré-requisito para o desenvolvimento econômico. Dois livros
lançados recentemente mostram que a transição demográfica foi fundamental para
a elevação da renda per capita e o progresso humano. Os autores Galor (2017) e
De Long (2022) indicam que não existia aumento permanente e significativo da
renda per capita antes da Revolução Industrial. Eles argumentam que durante a
maior parte da existência do Homo sapiens as sociedades viveram o fenômeno
definido como estagnação malthusiana.
A expectativa de vida
média global triplicou em 250 anos, passando de cerca de 25 anos para quase 75
anos. Países ricos possuem expectativa de vida acima de 80 anos, mas mesmo em
países muito pobres como Níger, Moçambique e Afeganistão o tempo médio de vida
está acima de 60 anos atualmente. Os ganhos na educação, nas condições de
moradia, no nível de consumo e no acesso à informação foram significativos e
superaram as estimativas iniciais da modernização.
Porém, todo o
enriquecimento humano ocorreu às custas do empobrecimento do meio ambiente. O
conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e
o meio ambiente retrocedeu, com a degradação e poluição dos ecossistemas, a
perda de biodiversidade e o desequilíbrio climático.
O gráfico abaixo
mostra que do ano 1 ao século XVIII a concentração de CO2 e a
temperatura do planeta apresentaram uma grande estabilidade, com uma leve
tendência de queda da temperatura. Mas tudo mudou depois da Revolução
Industrial e Energética que iniciou o uso generalizado de combustíveis fósseis.
Aumentando a concentração de gases de efeito estufa, a temperatura também
aumenta.
Na última era glacial a concentração de CO2 na atmosfera estava abaixo de 200 partes por milhão (ppm). Nos últimos 800 mil anos, a concentração de CO2 ficou sistematicamente abaixo de 280 ppm, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA).
Em 1950, a concentração chegou a 300 ppm e, na época da primeira grande conferência sobre o meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, em 1972, a concentração de CO2 na atmosfera já havia passado para 327 ppm. Em 1987 a concentração chegou a 350 ppm. Este é o nível máximo recomendado pela ciência para evitar um possível aquecimento global catastrófico.
Porém, a máquina
econômica de emissão não sofreu interrupção. Em 2015, quando houve o Acordo de
Paris, a concentração de CO2 já havia ultrapassado 400 ppm e, a
despeito de todas as metas de redução, a concentração de CO2 chegou
a 424 ppm em maio de 2023. O dramático é que o efeito estufa não está
diminuindo, mas está se agravando. O aumento da concentração de CO2
na atmosfera contribuiu para o fato de os últimos 9 anos (2014 a 2022) terem
sido os mais quentes já registrados no Holoceno.
Mas ninguém esperava
que o mês de julho/2023 fosse o mês mais quente dos últimos 120 mil anos e o
mês de setembro/2023 apresentasse a maior anomalia. O aumento da temperatura
diminui a área e o volume do gelo dos polos, acidifica as águas dos oceanos
prejudicando a vida marinha, intensifica os furacões e ciclones, aumenta as
inundações e secas, afeta a produção de alimentos e gera trilhões de dólares de
prejuízo à economia global.
Desta forma, a
comunidade científica está perplexa não só com o aquecimento global, mas também
com a baixa cobertura de gelo marinho na Antártida que está muito abaixo do
normal, desde o começo das observações por satélites em 1979. A última vez que
a temperatura ultrapassou os 1,5º C, no Planeta, provocou o aumento do nível
dos oceanos em algo entre 5 e 9 metros. Tudo indica que a temperatura no século
XXI vai ultrapassar em muito os 2º C em relação ao período pré-industrial. Os
prejuízos poderão ser incalculáveis tanto nas áreas urbanas, quanto rurais. A
fome pode voltar a assustar grande parte da população mundial.
O Antropoceno só existe em decorrência do crescimento desregrado e exagerado das atividades antrópicas. Existe uma verdade simples e inquestionável que reconhece ser impossível haver crescimento ilimitado em um Planeta finito. Indubitavelmente, existem limites biofísicos ao crescimento econômico como escreveu, em 1971, Nicholas Georgescu-Roegen no livro The Entropy Law andthe Economic Process, onde mostra, com base na Primeira Lei da Termodinâmica, que o metabolismo do processo produtivo é entrópico e não cria nem consome matéria e energia, apenas transforma recursos de baixa entropia em calor e resíduos de alta entropia (GEORGESCU-ROEGEN, 1971).
Outro alerta aconteceu há 50 anos, em 1972, quando uma equipe de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicou o livro “Limites do crescimento, um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”. Os autores identificaram cinco vetores que poderiam provocar um colapso social e ambiental: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o livro indica as consequências que poderiam acontecer num horizonte de cem anos. Os autores do livro “Limites do crescimento” (MEADOWS et al, 1978) sintetizam suas conclusões em um único parágrafo:
“Se as atuais
tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição,
produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis,
os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos
próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e
incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).
Entretanto, os alertas sobre os limites do crescimento foram ignorados ou negados. Existem, inclusive, pessoas que negam a própria existência da crise climática e ambiental e são chamados de “céticos climáticos”. No dia a dia, o tabu religioso e as posturas ideológicas pronatalistas impossibilitam uma análise demográfica mais completa e dificultam o enfrentamento dos grandes problemas ambientais do mundo.
Em 05/09/23 na parte da manhã, o meteorologista Luiz Carlos Molion deu um depoimento irresponsável na CPI das ONGs no Congresso Nacional e disse que a mídia estava exagerando os efeitos do fenômeno El Niño e que não haveria enchentes no Sul do Brasil e nem seca no Norte. Porém, no mesmo dia começou as enchentes no vale do rio Taquari, no Rio Grande do Sul, que provocou a morte de mais de 50 pessoas. Ainda em setembro, a região Norte registra uma das maiores secas já registradas, inclusive provocando a morte de mais de 100 botos devido à baixa dos rios e à elevada temperatura das águas. Dessta forma, as pessoas e a natureza estão sofrendo enquanto os negacionistas climáticos espalham fake news.
O Papa Francisco
também se posicionou contra o negacionismo climático. Numa encíclica de 7.000
palavras, chamada Laudate Deum (“Louvado seja Deus”), ele escreveu: “As nossas
respostas não têm sido adequadas, enquanto o mundo em que vivemos está em
colapso e pode estar se aproximando do ponto de ruptura”. O texto diz ainda:
“Apesar de todas as tentativas de negar, ocultar, encobrir ou relativizar a
questão, os sinais das alterações climáticas estão aqui e são cada vez mais
evidentes. Ninguém pode ignorar o fato de nos últimos anos termos assistido a
fenômenos meteorológicos extremos, períodos frequentes de calor anormal, seca e
outros gritos de protesto”.
Um novo estudo
publicado na revista Nature, na primeira semana de outubro, indicou que quatro
em cada dez espécies de anfíbios correm risco de desaparecer por conta da
destruição crescente de seus habitats e dos efeitos das mudanças climáticas ao
redor do mundo, acelerando a 6ª extinção em massa das espécies. A humanidade se
expande e a biodiversidade entra em colapso.
Como disse Edward Abbey (1927-1989): “Crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerosa”. De fato, o crescimento desregrado já ultrapassou a capacidade de carga da Terra. O artigo publicado na revista Science Advances, em 13/09/2023, elaborado por pesquisadores da Universidade de Copenhague, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático e de outras instituições internacionais analisaram dois mil estudos para atualizar a estrutura dos limites planetários desenvolvida em 2009 pelo Centro de Resiliência de Estocolmo (RICHARDSON, 2023). Assim, foi realizada a primeira verificação completa de todos os nove processos e sistemas que determinam a estabilidade e resiliência do planeta. A conclusão é que seis das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas.
Mais um recorde: o setembro de 2023 foi o mais quente já registrado na história.
Ultrapassar as
fronteiras planetárias significa aumentar os riscos ambientais e climáticos do
presente e do futuro. O fato inquestionável é que o planeta está entrando em um
estado novo, perigoso e muito menos estável. E a Terra está ficando mais
inóspita e cada vez mais inabitável. (ecodebate)
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