Esse fenômeno ocorre em função do aprofundamento da
transição demográfica (passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade).
O 1º bônus demográfico é um fenômeno temporário (tem
data de começo e de término) e seu aproveitamento depende de como um país
gerencia e capitaliza essa oportunidade para promover o desenvolvimento
econômico, social e ambiental. Em geral, as sociedades enriquecem e eliminam a
pobreza e a fome se a iniciativa privada e o setor público investem na educação
e saúde e no pleno emprego e trabalho decente.
O aproveitamento pleno do bônus demográfico ocorre quando o país aumenta a proporção da população ocupada, com cidadania universal, justiça social e avanços na infraestrutura econômica e na ciência e tecnologia. O chamado 1º bônus demográfico termina quando se aprofunda o envelhecimento populacional e se reduz a população em idade ativa, além de diminuir a proporção da população ocupada.
Todo país rico do mundo, conseguiu alto nível de bem-estar social durante o período do 1º bônus demográfico, ou dividendo demográfico ou janela de oportunidade. Não existe país rico com estrutura etária jovem. Enriquecimento e envelhecimento são fenômenos simultâneos. Mas, a experiência histórica mostra que as nações só conseguem chegar ao clube dos países ricos se enriquecer antes de envelhecer.
A China é um país de maioria
masculina e o Brasil de maioria feminina
A maior razão de sexo ao
nascer é um fenômeno universalmente masculino. Ou seja, em todos os países
nascem mais homens do que mulheres. Por conta disto, os homens são maioria nos
grupos etários mais jovens. Mas as mulheres passam a ser maioria cada vez mais
significativa com o avanço dos grupos de idade, pois o sexo feminino possui, de
maneira universal, expectativa de vida superior à dos homens.
O gráfico abaixo mostra os
grupos etários com superávit de homens e com superávit de mulheres para o Brasil
e a China, no ano de 2022. Há uma diferença significativa nos dois países. Na
China o superávit masculino é muito elevado, ficando entre 6% e 8% até os 30
anos. Os homens chineses continuam sendo maioria até o grupo etário 50-54 anos
e as mulheres só superam os homens a partir dos 55 anos. No grupo etário 75-79
anos o superávit feminino é de quase 10%. Já no Brasil, os homens são maioria
até o grupo etário 20-24 anos e as mulheres ultrapassam os homens a partir de
25 anos.
Nota-se, portanto, que a China tem maioria masculina, enquanto o Brasil tem maioria feminina. Segundo a Divisão de População da ONU, no gigante asiático, a população em idade ativa (15-64 anos) era de 984 milhões de pessoas em 2022, sendo 508 milhões de homens (51,6%) e 476 milhões de mulheres (48,4%). No Brasil, segundo o censo 2022 do IBGE, a população em idade ativa (15-64 anos) era de 141 milhões de pessoas em 2022, sendo 68 milhões de homens (48,6%) e 73 milhões de mulheres (51,4%).
Os dados da Divisão de População da ONU mostram que a China sempre teve uma população com maioria masculina. Isto ocorre por diversas razões, mas basicamente, porque existe preferência pelo filho homem, já que a China é uma sociedade com característica patriarcal, patrilocal e patrilinear. O gigante asiático possui muito mais homens do que mulheres em idade de se casar e em idade de trabalhar. Na China o bônus demográfico é masculino, pois há mais homens na população e na força de trabalho e os homens chineses possuem maiores taxas de escolaridade.
Os pesquisadores Qingyuan Du
e Shang-Jin Wei, no texto “A Sexually Unbalanced Model of Current Account
Imbalances” (2010) dizem que o excesso de homens contribui para o aumento das
taxas de poupança e para o superávit em Transações Correntes: “Mostramos as
condições sob as quais uma competição intensificada no mercado matrimonial pode
induzir os homens a aumentar a sua taxa de poupança e produzir um aumento na
poupança agregada e no excedente da balança de transações correntes”.
Na mesma linha, Shang-Jin Wei
e Xiaobo Zhang, no artigo “Entrepreneurship, and Economic Growth in the
People’s Republic of China”, consideram que o superávit de homens estimula o
crescimento econômico, devido ao maior empreendedorismo e trabalho duro das
pessoas do sexo masculino: “A China regista um excedente relativo cada vez mais
intenso de homens na faixa etária pré-marital. A literatura existente sobre as
suas consequências concentra-se principalmente em aspectos negativos como o
crime. Neste artigo, fornecemos evidências de que o desequilíbrio também pode
estimular o crescimento econômico, induzindo mais empreendedorismo e trabalho
árduo.
Em primeiro lugar, é mais
provável que novas empresas privadas nacionais – um importante motor de
crescimento – surjam em regiões com um maior desequilíbrio na proporção entre
os sexos.
Em segundo lugar, a
probabilidade de os pais com um filho serem empreendedores aumenta com a
proporção local de sexos. Terceiro, os agregados familiares com um filho em
regiões com uma proporção de sexos mais distorcida demonstram uma maior
disponibilidade para aceitar empregos relativamente perigosos ou desagradáveis
e oferecem mais dias de trabalho.
Em contraste, o padrão de
oferta de trabalho dos agregados familiares com uma filha não está relacionado com
a razão entre os sexos. Finalmente, o PIB regional tende a crescer mais
rapidamente nas províncias com uma razão de sexos mais elevado. Dado que o
desequilíbrio da proporção entre os sexos prosseguirá num futuro próximo, este
efeito de crescimento deverá persistir”.
Depois da desastrosa política
de filho único, a situação atual é de uma taxa de fecundidade total (TFT) tão
baixa que o governo chinês tem promovido políticas pronatalistas e falado muito
em rejuvenescimento da população e da sociedade.
Evidentemente, em um contexto
de forte divisão sexual do trabalho, um possível aumento da fecundidade vai
sobrecarregar as mulheres e vai continuar privilegiando os homens nas
atividades produtivas. Embora sejam significativas o nível de escolaridade e a
inserção produtiva feminina, os homens continuam predominando na educação e no
mercado de trabalho. Na China, a hegemonia do sexo masculino é indiscutível.
O bônus demográfico do Brasil
é feminino
As mulheres brasileiras
passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940 e foram
responsáveis pelo grande aumento da população ocupada no Brasil a partir de
1970. O gráfico abaixo mostra a evolução da relação entre a população ocupada
total (e por sexo) em relação ao conjunto da população brasileira de 1950 a
2020, com projeção até 2040, com base em três fontes de dados do IBGE.
Analisando-se os dados dos
censos demográficos, o conjunto dos ocupados (homens + mulheres) em relação à
população total caiu ligeiramente de 32% em 1950 para 31,7% em 1970. Isso
ocorreu porque houve um pequeno rejuvenescimento da estrutura etária brasileira
nesse período, pois as taxas de mortalidade infantil caíram, enquanto as taxas
de fecundidade continuaram altas. Porém, a taxa de ocupação da população total
deu um salto para 45,3% em 2010, significando que, entre 1970 e 2010, houve uma
ampliação do volume da força de trabalho no Brasil.
Como vimos no início deste
artigo, esse período vantajoso para a economia e para o avanço social é
conhecido como janela de oportunidade ou 1º bônus demográfico, pois é um
momento de melhora na relação entre “produtores líquidos” potenciais e
“consumidores líquidos”. Como mostrou Turra (2018), o bônus demográfico deve
ser avaliado pela relação entre trabalhadores efetivos (população ocupada) e
consumidores efetivos (população não ocupada): “Durante a transição
demográfica, espera-se que o crescimento relativo da população em idade ativa
(PIA) amplie a disponibilidade de produtores efetivos em relação aos
consumidores efetivos” (TURRA, 2018, p. 292).
A particularidade do Brasil é
que a população ocupada masculina em relação à população total do país ficou
praticamente constante, em torno de 27% entre 1950 e 2010. Existe um grande
desperdício da força de trabalho masculina no Brasil e também da força de
trabalho feminina.
Mesmo com taxas mais baixas,
a população ocupada feminina em relação à população total cresceu de 4,7% em
1950 para 19,2% em 2010, mostrando que a inserção da mulher no mercado de
trabalho foi o principal componente da expansão da força de trabalho. Por isso
se diz que o bônus demográfico no Brasil é um bônus feminino, pois a inserção
de um contingente maior de mulheres significa maior produção total e, sendo
mulheres com níveis educacionais mais elevados, significa maior produtividade.
Dessa forma, entre 1970 e
2015, o Brasil aproveitou parcialmente o momento favorável da estrutura etária,
no caminho de atingir melhores níveis de renda e de bem-estar. Portanto, não
foi um aproveitamento total, pois o valor de 45,6% não chegou perto do que
ocorreu na China e no Vietnã, países que atingiram uma taxa de ocupação próxima
de 60% da população total no auge do 1º bônus demográfico. De fato, houve uma
melhora no mercado de trabalho, mas os antigos problemas estruturais
brasileiros continuaram inviabilizando um aproveitamento completo do potencial
produtivo da população brasileira.
Entre 2015 e 2022, as
condições do mercado de trabalho recuam e a taxa de ocupação total teve uma
grande queda, representando um enorme desperdício do potencial da força de
trabalho brasileira. O Brasil entrou em crise econômica exatamente no período
mais favorável do 1º bônus demográfico. Este período foi calamitoso para o
Brasil.
Em 2023, a taxa de ocupação
bateu ligeiramente o recorde da PNADC, mas ainda ficou abaixo das taxas da
primeira metade da década passada da PNAD anual. No segundo trimestre de 2023 a
taxa de ocupação das mulheres superou ligeiramente os valores de 2012 a 2014,
mas a taxa masculina ainda não recuperou os níveis anteriores. Isto significa
que a diferença de gênero diminuiu, mas ainda existe muito espaço para o país
avançar na melhoria do mercado de trabalho para ambos os sexos.
Indubitavelmente, o Brasil pode aproveitar o bônus demográfico até aproximadamente 2035 ou 2040 e ainda reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, dando continuidade à maior inserção feminina nas atividades produtivas. Portanto, conseguir “pleno emprego e trabalho decente” (bandeira da Organização Internacional do Trabalho – OIT), juntamente com avanços na educação, podem fazer o Brasil dar um salto no seu índice de desenvolvimento (passando de renda média para renda alta) e aproveitar os 15 anos que restam para o fechamento da janela de oportunidade demográfica.
A China e o Brasil vão enriquecer antes de envelhecer?
Aumentar as taxas de poupança
e investimento é fundamental para a criação de emprego e para o aumento da
produtividade geral dos fatores de produção. A China é o país que possui as
maiores taxas de poupança e investimento. Isto já era uma realidade quando a
renda per capita era baixa e, atualmente, mesmo tendo maior proporção de
idosos, permanece investindo muito, com o capital feito em casa e crescendo
mais do que o Brasil. Isto explica os maiores avanços sociais e tecnológicos da
China.
A estrutura etária tanto do
Brasil quanto da China começou a mudar no início da década de 1970 e, desde
então, tanto a renda per capita, quanto a proporção de idosos aumentou. O
desenvolvimento e o envelhecimento são fenômenos sincrônicos da modernidade.
Mas a experiência internacional mostra que os países que alcançaram a
prosperidade tiveram a riqueza e o bem-estar crescendo mais rápido do que o
ritmo da mudança da estrutura etária.
Envelhecer antes de
enriquecer pode significar ficar preso eternamente na armadilha da renda média,
pois o aumento da razão de dependência demográfica, inegavelmente, leva a
menores taxas de crescimento do PIB. Os países ricos possuem renda per capita,
em poder de paridade de compra, acima de US$ 30 mil e um IDH de no mínimo
0,850. Atualmente, o Brasil está no meio do caminho, pois ainda é um país de
renda média (US$ 15 mil) e tem um IDH de 0,754. A China tem indicadores um
pouco melhores, com renda per capita de aproximadamente US$ 20 mil e IDH de
0,768.
Ambos os países podem avançar
na renda per capita e galgar melhores posições no ranking do IDH. Mas, o 1º
bônus demográfico brasileiro termina, no máximo, na próxima década. Sem dúvida,
os desafios serão maiores, embora não seja o fim da linha. O país ainda pode
contar com o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade), uma vez que a
redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por trabalhadores mais produtivos
se houver investimentos adequados na saúde, educação, infraestrutura,
comunicação, ciência e tecnologia, etc. No aproveitamento do 2º bônus
demográfico, a China está bem à frente do Brasil e isto pode ser decisivo para
a China entrar no grupo dos países ricos até 2040.
Indubitavelmente, não importa o sexo do bônus demográfico, mas sim a sua efetividade. O fato de ser mais masculino ou mais feminino não altera a necessidade imprescindível de atingir o pleno emprego, com avanços na saúde, na educação e no sistema de proteção social. É fundamental combinar os avanços na produtividade junto com as transformações da estrutura etária.
O trabalho é a fonte da riqueza das nações. Para os países aproveitarem os 3 bônus demográficos é preciso considerar a contribuição de todas as gerações e todos os gêneros.
Os homens, as mulheres e as pessoas não binárias são partes essenciais das soluções para se construir uma nação próspera, com equidade de gênero e com justiça social e ambiental. (ecodebate)
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