Grandes propriedades foram
responsáveis por 36% da perda de vegetação nativa no Cerrado em 2023, que
superou 1 milhão de hectares.
Imóveis rurais com CAR
(Cadastro Ambiental Rural) concentraram 75% de todo o alerta de desmatamento
detectado no Cerrado em 2023, uma perda de 879 mil hectares de vegetação
nativa. Dados foram divulgados nesta terça-feira pelo SAD Cerrado (Sistema de
Alerta de Desmatamento do Cerrado) desenvolvido pelo IPAM (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia). A área desmatada dentro desses imóveis
equivale a quase 6 vezes a cidade de São Paulo.
Atualmente, 62% da vegetação
nativa do Cerrado está dentro de propriedades rurais submetidas às regras do
Código Florestal, que permitem o desmatamento de 80% da área total das
propriedades do bioma fora da Amazônia Legal. Além disso, apesar do bioma
cobrir um quarto de todo o território nacional, somente 12% está sob alguma
forma de proteção – seja unidades de conservação, territórios indígenas ou
territórios quilombolas – e apenas 3% do bioma é protegido integralmente por
Unidades de Conservação.
“Diferentemente da Amazônia, a maior parte do desmatamento no Cerrado ocorre nos imóveis rurais privados, mas também é nessas propriedades que está concentrada a maior parte da vegetação nativa remanescente no bioma. Para reduzir o desmatamento nessas áreas, é necessário fortalecer e dar transparência ao sistema de licenciamento do desmatamento. Além disso, é preciso fortalecer o código florestal, através da validação do CAR, assim como estabelecer políticas voltadas para o incentivo à conservação em áreas privadas”, aponta Tarsila Andrade, pesquisadora do IPAM.
Cerrado: 75% do desmatamento ocorreram em propriedades particulares
O Cerrado perdeu mais de 1
milhão de hectares em vegetação nativa em 2023, um aumento de 30% em relação a
2022.
No Matopiba, principal
fronteira agrícola do Brasil, grandes propriedades concentraram cerca de 36%
dos alertas de desmatamento, enquanto as médias e pequenas responderam por 23%
e 16%, respectivamente. Em 2023, a região do Matopiba foi responsável por 75%
de todo o desmatamento no Cerrado, cerca de 793 mil hectares. A região
concentra os maiores remanescentes do bioma e os municípios que registraram
alertas de desmatamento no ano.
A categorização do tamanho de
propriedades rurais é definida pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária) e baseadas na quantidade de Módulos Fiscais dentro de uma
propriedade. A dimensão dos módulos muda de acordo com o município, podendo
variar, no Cerrado, entre 5 e 110 hectares. Pequenas propriedades são aquelas
com até 4 módulos, enquanto as grandes possuem mais do que 15. Propriedades
médias são aquelas que possuem entre 4 e 15 módulos fiscais.
No oeste baiano, por exemplo,
63% dos alertas de desmatamento na porção de Cerrado do estado foram
registrados em grandes propriedades. Como resultado, o estado viu a abertura de
novas áreas de Cerrado aumentar 92% em relação a 2022, atingindo 159 mil
hectares, sendo 100 mil hectares dentro de grandes propriedades.
Desmatamento acelerado
Os alertas de desmatamento no
Cerrado apontam uma área afetada de mais de 1 milhão de hectares em 2023, um
aumento de 30% em relação aos alertas identificados pelo SAD Cerrado em 2022,
quando foram derrubados 815 mil hectares do bioma. Dos 12 meses de 2023, 10
registraram aumento na área desmatada em relação ao ano anterior.
No Piauí, a área derrubada atingiu 131 mil hectares no ano passado, um aumento de 67% em relação a 2022, enquanto o Tocantins registrou um aumento de 37% e 233 mil hectares desmatados. No Maranhão, estado que mais registrou alertas de desmatamento no Cerrado, o aumento foi de 36%, somando 308 mil hectares da vegetação nativa derrubada do bioma.
Os 10 municípios que mais desmataram o Cerrado e que concentram 19% de toda a perda de vegetação nativa no bioma – cerca de 206 mil hectares – estão localizados no Matopiba, sendo quatro no Cerrado baiano, quatro no Maranhão, um no Tocantins e um no Piauí.
“A lista dos alertas
identificados pelo SAD Cerrado mostra que o desmatamento se concentra nos
mesmos estados e municípios. Esse padrão que temos visto de grandes áreas sendo
desmatadas e concentradas em regiões específicas é preocupante pois pode
impactar o clima, reduzindo a eficiência dos serviços ecossistêmicos como a
disponibilidade de água no lençol freático, que leva à falta de abastecimento
de água tanto para a agricultura como para a população local”, destaca Fernanda
Ribeiro, pesquisadora do IPAM.
São Desidério, líder do
ranking anual, registrou sozinho 36 mil hectares desmatados – 118% a mais do
que em 2022, quando o município foi responsável pela conversão de 16 mil
hectares. Balsas, no sul do Maranhão, aumentou seu desmatamento em 11%, com a
perda de 28 mil hectares.
O município com maior área desmatada do Tocantins, Rio Sono, perdeu 19 mil hectares de vegetação nativa – 95% a mais do que o desmatamento de 2022, ocupando o quinto lugar no ranking. Baixa Grande do Ribeiro, município que mais desmatou no Piauí, perdeu 15 mil hectares de vegetação, aumento de 201% que o fez ocupar a oitava posição.
Proteção e organização fundiária
Seguindo a tendência
observada ao longo do ano, foram detectados 27 mil hectares de áreas desmatadas
em Unidades de Conservação localizadas no Cerrado – um aumento de 93% em
relação a 2022. A Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins foi a reserva mais
atingida, tendo perdido mais de 6 mil hectares de vegetação nativa, seguido
pelo Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, que perdeu 5,9 mil
hectares.
Vizinhas, as Unidades de
Conservação fazem parte do mosaico de áreas protegidas que também inclui o
Parque Estadual do Jalapão, a Área de Proteção Ambiental Serra da Tabatinga e a
Área de Proteção Ambiental Serra da Ibiapaba. O mosaico ocupa áreas no coração
do Matopiba e tem sofrido com a pressão da expansão agrícola na região.
Pesquisadoras do SAD também
alertam para o avanço do desmatamento em áreas consideradas vazios fundiários,
ou seja, áreas sem jurisdição ou definição de uso clara. A categoria totalizou
94 mil hectares derrubados em 2023 – um aumento de 48% em relação a 2022,
quando 64 mil hectares foram perdidos. Essas áreas não possuem domínio claro e,
portanto, é difícil encaixá-las em projetos de políticas públicas para a
região.
“Tendo em vista que mais da metade da vegetação nativa remanescente está sob domínio privado, novas estratégias de conservação que contemplem áreas privadas, como por exemplo incentivo econômicos para proprietários abrirem mão do direito de desmatar, são essenciais para a manutenção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos no Cerrado. Isso passa pela viabilização de incentivos e por uma formação de alianças com diálogo aberto entre os setores público e privado, além da participação da sociedade civil e comunidades locais”, destaca Fernanda.
Desmatamento no Cerrado mais que dobrou em novembro/23.
Sobre o SAD Cerrado
O Sistema de Alerta de
Desmatamento do Cerrado é um projeto de monitoramento mensal e automático que
utiliza imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial
Europeia. O SAD Cerrado é uma ferramenta analítica que fornece alertas de
supressão de vegetação nativa, trazendo informações sobre desmatamento no bioma
desde agosto/2020.
A confirmação de um alerta de
desmatamento é realizada a partir da identificação de ao menos dois registros
da mesma área em datas diferentes, com intervalo mínimo de dois meses entre as
imagens de satélite. O método é detalhado no site do SAD Cerrado.
Os relatórios de alertas para 2023 e períodos anteriores estão disponíveis neste link. No painel interativo, é possível selecionar estados, municípios, categorias fundiárias e o intervalo temporal para análise.
O objetivo do sistema é fornecer alertas de desmatamentos maiores de 1 hectare, atualizado mês a mês. Pesquisadores entendem que o SAD Cerrado constitui uma ferramenta complementar a outros sistemas de alerta de desmatamento no bioma, como o DETER Cerrado, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), otimizando o processo de detecção em contextos visualmente complexos. (ecodebate)
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