quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A falsa dicotomia da Comissão Europeia entre combustíveis e emissões

A "falsa dicotomia" da Comissão Europeia (CE) refere-se à crítica de que, ao focar excessivamente em reduzir emissões e focar em tecnologias de baixo carbono, a CE estaria ignorando a necessidade urgente de eliminar os combustíveis fósseis como fonte primária, criando a ilusão de que é possível resolver a crise climática sem abandonar o petróleo, carvão e gás, quando, na verdade, um não resolve sem o outro, pois a queima desses combustíveis é a raiz do problema.
Ao isentar os combustíveis fósseis e focar apenas nas emissões, a presidente da Comissão Europeia ignora a raiz do problema climático e abraça uma solução tecnológica incerta e arriscada.

Em um discurso que ecoou pelos corredores do poder em Bruxelas e além, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez uma declaração que merece ser desmontada com cuidado.

Ela afirmou que a luta da União Europeia contra a mudança climática “não é contra os combustíveis que a causam, apenas a poluição que eles emitem”. À primeira vista, soa como um pragmatismo necessário. Na realidade, é uma concessão perigosa que confunde o público e mina a transição energética.

A fala, proferida durante um evento sobre inovação, tenta traçar uma linha nítida onde existe apenas uma teia de interdependências. Von der Leyen busca tranquilizar setores industriais e parceiros geopolíticos, sugerindo que o problema não é o carvão, o petróleo e o gás em si, mas sim o CO₂ que liberam na atmosfera. O remédio proposto, portanto, não seria a substituição acelerada dessas fontes de energia, mas a sua “limpeza” por meio de tecnologias de captura e armazenamento de carbono.

O erro conceitual fundamental

A declaração contém um erro lógico e científico fundamental. Os combustíveis fósseis são intrinsecamente poluentes. A sua queima é a principal fonte das emissões de gases de efeito estufa que causam a crise climática.

Separar conceitualmente o “combustível” da “poluição” é como dizer que se é contra os tiros, mas não contra as armas que os disparam, apenas contra os projéteis. É uma distinção artificial que serve a um propósito político.

Ao adotar essa retórica, a Comissão Europeia, que se autoproclama líder global no clima, corre um risco enorme: o de legitimar a permanência dos combustíveis fósseis no nosso sistema energético por décadas.

A mensagem que passa é que podemos continuar a perfurar, a extrair e a queimar, desde que tenhamos uma solução tecnológica mágica para lidar com as consequências. Essa é uma aposta arriscadíssima.

Os riscos da dependência tecnológica

A estratégia implícita nas palavras de von der Leyen coloca todos os ovos na cesta da captura de carbono. No entanto, esta tecnologia, embora promissora, ainda é incerta, de alto custo e não está operacional em escala significativa. Confiar nela como pilar central da descarbonização é adiar as ações concretas e comprovadas que sabemos serem necessárias: a expansão massiva das energias renováveis, a eficiência energética e a eletrificação dos transportes.

Essa narrativa é conveniente para a indústria dos combustíveis fósseis, que vê na captura de carbono uma nova linha de negócio e uma “licença social” para continuar operando. Enquanto investimos bilhões para tentar limpar a poluição de termelétricas a carvão e gás, estamos desviando recursos que poderiam ser usados para tornar a energia solar e eólica mais baratas e eficientes. É um jogo de soma zero, onde cada euro em falsas soluções é um euro a menos nas verdadeiras.

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O contexto geopolítico

O timing da declaração não é inocente. Num momento de instabilidade geopolítica e pressão sobre os preços da energia, von der Leyen parece sinalizar que a UE está disposta a ser flexível. A mensagem para parceiros como os EUA e para nações produtoras de gás é: “Não queremos acabar com vocês, apenas queremos que se tornem mais limpos’’.

Embora diplomaticamente astuto, este posicionamento dilui a urgência do abandono dos combustíveis fósseis. Em vez de liderar pelo exemplo, mostrando que um futuro energético limpo é não apenas necessário, mas também economicamente superior, a UE parece recuar, aceitando a premissa de que ainda precisaremos destes combustíveis por um “longo prazo”.

Isso enfraquece a sua posição nas negociações climáticas internacionais e desencoraja investimentos decisivos na transição.

Adiando o inevitável

A crise climática não será resolvida com nuances semânticas ou com a fé em tecnologias não comprovadas. Ela exige uma ação clara e corajosa para desmantelar o sistema energético que a causou.

As palavras de Ursula von der Leyen, ao tentarem criar uma dicotomia entre combustíveis e emissões, representam um passo atrás na retórica e, potencialmente, na ambição da União Europeia.

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A verdade inconveniente é que a luta contra as mudanças climáticas é, sim, uma luta contra os combustíveis fósseis.

Admitir isso é o primeiro passo para vencê-la. Ao não o fazer, a presidente da Comissão Europeia não é pragmática; apenas adia o inevitável e coloca em risco o futuro que prometeu proteger. (ecodebate)

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