Longe do esplendor
turístico, a Baía de Guanabara e o retrato da poluição
Esgoto ‘à
caminho’ da Baía de Guanabara
Distante da imagem de
cartão postal que encanta turistas, a Baía de Guanabara revela uma paisagem dominada
pela sujeira, onde pescadores lutam para sobreviver do mar.
“Antigamente, um dia
de pesca rendia 300 quilos de peixe e pagava entre R$ 80 e R$ 100”. Hoje,
quando dá, o pescador tira 30 quilos e ganha entre R$10 e R$30″, relata à AFP
Milton Mascarenhas Filho, 62 anos, pescador há 29, presidente da colônia de
pesca de Magé, cidade a 60 km do Rio de Janeiro, localizada no norte da baía.
Milton atribui a
mudança à poluição industrial, especialmente ao vazamento de cerca de 1 milhão
de litros de óleo após acidente na refinaria da Petrobras no município vizinho
de Duque de Caxias, em janeiro de 2000.
“Apesar da poluição,
ainda dá para sobreviver da pesca. O difícil é o lixo”, reclama Cláudio
Batista, de 48 anos, pescador desde os 10, enquanto retira da rede alguns
poucos peixes entre pedaços de plástico.
A quantidade de
resíduos, sobretudo garrafas PET, flutuando na água, impressiona, mas nas
margens e nos mangues se encontra de tudo: de roupas e calçados a sofás e tubos
de televisão.
Os detritos, afirma
Milton, são trazidos ao mar pelos rios das cidades vizinhas, que contaminam a
água e danificam redes e ‘currais’, armadilhas artesanais utilizadas para
capturar o pescado.
– “Uma imensa
latrina” — A Baía de Guanabara hoje é “uma imensa latrina e lata de lixo”,
critica o biólogo Mário Moscatelli, que desde 1997 denuncia a degradação
ambiental na cidade e no estado do Rio.
“É muito afetada pela
grande carga orgânica que recebe dos rios que sofrem lançamento de esgotos
sanitários indiscriminadamente”, admite Gerson Serva, coordenador de um projeto
de saneamento da baía, a cargo do governo estadual.
Serva explica que os
quinze municípios com rios que deságuam na Baía de Guanabara lançam ali 20.000
litros por segundo de esgotos. Deste total, cerca de um terço é tratado e
outros 10% sofrem um processo natural de decomposição.
O problema é antigo,
mas a solução parece distante.
Lançado durante a
ECO-92, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara consumiu cerca de US$ 1
bilhão em recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Agência
de Cooperação Internacional do Japão (JICA), com contrapartida do governo do
estado. O PDBG previa instalação de redes coletoras, ligações domiciliares e
estações de tratamento de esgoto, mas 20 anos depois, está inacabado.
“O PDBG foi o maior
programa de saneamento já desenvolvido no estado do Rio de Janeiro, entretanto
teve muitas falhas em sua gestão e deixou um conjunto de obras inacabadas”,
reconhece Gerson Serva.
“Esse programa é o
resultado mais claro da certeza da impunidade governamental onde o
administrador público tem certeza de que pode fazer praticamente tudo com o
dinheiro público que não lhe acontecerá praticamente nada”, acusa Moscatelli.
Recentemente, o
governo estadual assinou novo contrato com o BID para outro programa voltado
para a baía, o Plano de Saneamento Ambiental dos Municípios no Entorno da Baía
de Guanabara (PSAM), que Serva coordena.
Com orçamento de US$
640 milhões, o plano prevê construção, ampliação e melhoria da rede de esgoto
no centro e na zona norte da cidade do Rio e municípios vizinhos da Baixada
Fluminense e São Gonçalo.
– Uma aposta na
recuperação dos manguezais –
Para Moscatelli,
resolver o problema, atacando as causas, exigiria políticas públicas de
habitação, transporte e saneamento pelos próximos 15 a 20 anos. Mas, afirma,
ações de curto prazo, como a recuperação de manguezais, permitem enfrentar as
consequências da degradação.
Há 12 anos, o projeto
Mangue Vivo, instalado em Magé, tem como meta recuperar a vegetação destruída
pela contaminação e pelo desmatamento às margens da baía.
O projeto, sob
responsabilidade da ONG Onda Azul, se concentra em parte do total de 1,64 km2
que precisam ser recuperados, e visa a transformar a área reflorestada em um
parque ecológico aberto à visitação, mas enfrenta problemas de financiamento,
enquanto a retirada do lixo que se acumula no local atrasa o replantio.
Adeimantus da Silva,
coordenador do trabalho de campo, e José dos Santos, ambos funcionários da ONG,
inventaram um envoltório de garrafas PET para proteger as mudas dos predadores,
que é retirado quando a planta está crescida. Graças à técnica, 120 mil m2 de
mangue foram reflorestados e uma segunda área de 160 mil m2 teve 40% da
vegetação recuperada.
“O mangue é um
verdadeiro berçário marinho. Temos um grande número de aves, mamíferos e
répteis já catalogados. Peixes de espécies comerciais, como tainha e corvina, e
70% dos caranguejos que viviam no local se reproduzem e já são encontrados no
manguezal recuperado”, comemora Silva. (EcoDebate)
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