Aquecimento global e suas implicações para o futuro humano
“As pessoas duvidam que exista uma evidência
física de que o mundo está mudando. Ela existe sim, e são as geleiras”, afirma
o geólogo.
“Estamos em um
momento realmente crucial. Todas as vezes, nos últimos 800 mil anos, em que a
temperatura média da Terra atingiu patamares como os atuais, entramos em um
novo período frio, que culmina com período glacial. Como não há nada de novo
acontecendo em termos tectônicos na Terra, poderíamos dizer que dentro de um
período de 10 a 15 mil anos entraremos em uma nova era glacial. É um palpite,
em função de que a memória da Terra tende a prevalecer”, afirma Ernesto Lavina,
professor da Unisinos, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line.
Segundo ele, “o
vulcanismo é a chave de tudo o que acontece na Terra. Só que, paralelamente a
isso, temos a interferência humana”.
O geólogo explica que
“se não existisse o efeito estufa, a temperatura média da Terra seria algo como
18ºC abaixo de zero. Na verdade, o efeito estufa não é o vilão por si só. É o
acúmulo, principalmente do vapor d’água, do CO2 e um pouquinho de
metano e ozônio, que fazem com que a temperatura seja algo hoje entre 13 e 14ºC
acima de zero”.
O tema desta
entrevista será o tema da conferência que o geólogo e professor proferiu em
07/05/13, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, das 19h30 às 22h,
na programação do I Seminário que prepara o XIV Simpósio Internacional IHU –
Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades. A modelagem da
vida, da produção do conhecimento e dos produtos tecnológicos para a
tecnociência contemporânea que ocorrerá de 21 a 24 de outubro de 2014.
Ernesto Lavina é
geólogo e doutor em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS. É professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Tem
experiência na área de Geociências, atuando na área de geologia sedimentar.
IHU On-Line –
O senhor pode falar sobre as principais mudanças climáticas ao longo da
história da Terra?
Ernesto
Lavina – A Terra, ao
longo do tempo, alterna períodos quentes com períodos frios. A nossa época
(atual) é considerada um período frio, em que existem calotas polares. A
observação e o estudo do registro geológico, pelo menos nesse último bilhão de
anos (ou nesses últimos mil milhões de anos) mostra que ele pode ser dividido
em duas partes. A primeira, de 1 bilhão de anos até 550 milhões de anos atrás,
é de quando o planeta foi muito frio, mais frio até do que hoje. Havia muitas
geleiras espalhadas pelas latitudes médias e altas. Houve um momento, em torno
de 640 milhões de anos atrás, em que toda a Terra se congelou, inclusive o
Equador. É a teoria da Bola de Neve.
Outra coisa que é
preciso entender: a Terra é um planeta vulcânico. Todo o sistema e a atmosfera
da Terra – e seu ecossistema – se mantêm por causa do vulcanismo. Se não
existisse o vulcanismo, nós não estaríamos aqui. Estamos a aproximadamente 150
milhões de quilômetros do sol. Isso é uma distância imensa. Se não existisse o
efeito estufa, a temperatura média da Terra seria algo como 18ºC abaixo de
zero. Na verdade, o efeito estufa não é o vilão por si só. É o acúmulo,
principalmente do vapor d’água, do CO2 e um pouquinho de metano e
ozônio, que fazem com que a temperatura seja algo hoje entre 13 e 14ºC acima de
zero. Toda essa diferença é devida à acumulação de vapor d’água e de CO2,
principalmente. O nitrogênio e o oxigênio, que são os gases que compõem 99% da
atmosfera da Terra, são absolutamente transparentes à radiação infravermelha.
Isso significa que eles não absorvem nem emitem calor.
Tudo o que acontece
na Terra tem a ver com esse pequeno percentual de vapor d’água e CO2
na atmosfera. Então, as principais mudanças ao longo do tempo geológico se
resumem à alternância de momentos de frio e calor. Como essa que eu citei, de
um bilhão de anos até 550 milhões de anos, quando a Terra foi muito fria, sendo
que culminou num momento em que a temperatura caiu abaixo de zero e se pensa
que deve ter havido um manto de gelo com até dois quilômetros de espessura
cobrindo todo o planeta. E depois, em uma fase de um vulcanismo gigantesco, o
planeta aqueceu. E daí entramos nesses últimos 500 milhões de anos em que o
planeta foi, na maior parte do tempo, bem mais quente do que hoje, o que significa
que não havia gelo, inclusive nos polos.
Quando olhamos a
história da Terra, os momentos em que existe gelo dos polos nesses últimos 550
milhões de anos são muito raros. Um momento é o atual. Houve outro, há 300
milhões de anos, e outro, pequeno, há 444 milhões de anos. Fora isso, a Terra
era bem mais quente do que hoje e o nível do mar era muito mais alto.
IHU On-Line –
O que mais contribui para o aumento do aquecimento global: as mudanças cíclicas
da Terra ou a ação danosa do ser humano ao meio ambiente?
Ernesto
Lavina – Na história da
Terra, da qual o homem não faz parte, são as mudanças naturais, e aqui cito o
vulcanismo, que joga em dois times. Um tipo de vulcanismo libera uma quantidade
muito grande de CO2 na atmosfera, mas libera pouca cinza vulcânica.
Esse vulcanismo, ao longo do tempo, vai produzindo o efeito estufa. O CO2
vai absorvendo a radiação infravermelha, o calor, e o planeta vai esquentando.
Só que existe um outro tipo de vulcanismo, que joga uma quantidade gigantesca
de cinzas para a atmosfera superior. É uma explosão. A câmara magmática vira
literalmente pó. Se esse pó estiver em volume suficiente para bloquear ou
diminuir a radiação solar que chega à Terra, ocorre o que se chama de inverno
vulcânico: o planeta congela instantaneamente. Isso aconteceu há 74 mil anos. O
mundo passou por uma era glacial que quase extinguiu a humanidade. Ao longo do
tempo geológico, o vulcanismo é a chave de tudo o que acontece na Terra. Só
que, paralelamente a isso, temos a interferência humana.
Informações da
Internet
Ao fazer uma pesquisa
na internet fiquei impressionado com o grau de desinformação das pessoas.
Existe muita falácia nessa questão do aquecimento global. As pessoas se
perguntam na internet como se pode falar em aquecimento global antes de existir
o aparelho que media o CO2. Ora, se pode sim. Aquela neve que cai
nas geleiras vai aprisionando bolhas de ar. De modo que o gelo tem uma
quantidade grande de bolhas de ar aprisionada. Então se pode, tirando o
testemunho das grandes geleiras do planeta, medir diretamente o teor das bolhas
de ar. Podemos estudar hoje os últimos 800 mil anos da história da Terra a
partir das bolhas de ar. O que se mostra é que nos últimos 800 mil anos o teor
de CO2 na atmosfera mal chegou a 300 ppms.
A partir da revolução
industrial, o CO2 começa a subir e desde 1983 ele literalmente dá um
salto, com a curva de subida ficando quase vertical. Isso é dado objetivo. As
pessoas duvidam que exista uma evidência física de que o mundo está mudando.
Ela existe sim e são as geleiras. É impressionante a comparação das fotos do
início do século com imagens atuais das maiores geleiras do planeta. Eu, que
estou acostumado a ver com isso, fiquei assombrado. Isso não é subjetivo. As
geleiras estão derretendo, o nível do mar está subindo, o CO2 está
aumentando exponencialmente (hoje deve estar cruzando a linha dos 400 ppms).
O homem hoje está
produzindo cerca de 10 bilhões de toneladas métricas por ano de CO2.
Isso não é um número pequeno. Todo ano, a respiração de todos os seres, os fogos
naturais, as fumarolas vulcânicas no fundo do mar e os vulcões de modo geral
produzem algo em torno de 150 e 200 bilhões de toneladas métricas de CO2. Daí
alguém pode dizer: ah, mas a indústria só produz 10 bilhões, o que é menos de
5%. Então o homem só contribui com 5% do CO2.
Só que aqui temos outro
dado: hoje se sabe que o principal gás do efeito estufa na Terra é o vapor
d’água. Se ele é o principal, o CO2 é menos eficiente e o homem só
contribui com 5%, então a sociedade industrial não seria a responsável pelo
aquecimento global. Só que aqui é preciso ter em conta que existe uma série de
ciclos de realimentações.
O gelo, as calotas
polares e geleiras são absolutamente sensíveis a qualquer variação na
temperatura da terra. Onde o gelo recua, a região onde agora é solo e água, tem
capacidade de reter muito mais calor, porque o gelo é reflexivo, ele devolve
para o espaço a maior parte da radiação solar que bate sobre ele. Com esse
aquecimento da água e do solo, a atividade bacteriana aumenta e o solo chega a
ter três vezes mais CO2 do que a atmosfera. Daí chegamos ao limiar
do metano.
A Terra possui
estoques gigantescos de metano: no fundo dos oceanos, nos solos congelados, nas
florestas. O metano é 23 vezes mais eficiente que CO2 para
aprisionar calor. Estamos em um momento realmente crucial. Todas as vezes, nos
últimos 800 mil anos, em que a temperatura média da Terra atingiu patamares
como os atuais, entramos em um novo período frio, que culmina com período
glacial. Como não há nada de novo acontecendo em termos tectônicos na Terra,
poderíamos dizer que dentro de um período de 10 a 15 mil anos entraremos em uma
nova era glacial. É um palpite, em função de que a memória da Terra tende a
prevalecer.
IHU On-Line – Como a extração de carvão
mineral para uso em usinas termelétricas contribui para o aumento da emissão de
CO2
e, consequentemente, para o aumento do aquecimento global?
Ernesto Lavina – Todos nós gostamos de viver com os recursos
da tecnologia, mas devemos lembrar que ela necessita de energia, que por sua
vez produz CO2. Precisamos esclarecer que CO2 não é
poluição. É um dos gases que nos permitem estar aqui. Só que a Terra está em
constantes mudanças. Se o CO2 continuar se elevando, o nível do mar
e a temperatura média do planeta vão subir. No futuro próximo não vejo maneiras
de contornar isso. Porque sem energia as coisas não acontecem. E ela sai
justamente da queima do petróleo, do carvão, do gás natural. Toda a queima
produz CO2. Tudo o que a nossa sociedade faz, de uma forma ou de
outra, libera CO2.
A tendência é de que
vamos aumentar cada vez mais as taxas de emissão de CO2. No entanto,
aos trancos e barrancos, o mundo está melhorando. Aquela miséria absoluta na
Terra está cada vez menor. Por mais que a renda ainda seja mal distribuída, que
os ricos sejam muito ricos e os pobres sejam muito pobres, nós estamos
evoluindo nesses últimos séculos. Porém, em tudo que se evolui, em cada ponto
que avançamos na vida social, há por trás um consumo energia extra, que libera
CO2.
IHU On-Line – Este ano será divulgado o
quinto relatório do IPCC. O que esperar dele e o que foi feito, na prática, a
partir do que foi divulgado nos quatro relatórios anteriores?
Ernesto Lavina – Tudo o que foi feito é muito pouco. Pode-se
atacar o problema de várias formas, mas uma maneira essencial é a diminuição da
produção de energia. E isso nos tiraria do momento atual, da sociedade
tecnológica.
IHU On-Line – E investir em fontes de energia
alternativa, renovável?
Ernesto Lavina – Esse é o caminho para o futuro, não tem
jeito. No entanto, custa muito dinheiro e ainda não são muito eficientes essas
outras formas. A forma mais eficiente, barata e limpa de energia que temos é a
mais perigosa, que é a energia nuclear. Se fosse para resolver imediatamente
esse problema, teria que se trocar a matriz de produção de energia elétrica do
carvão para usinas nucleares. No mundo são raríssimos os países que possuem
recursos hídricos para produzir grandes represas, como é o caso do Brasil e
mais alguns poucos.
Nota: A primeira imagem que ilustra a entrevista é de http://bit.ly/12GCMxd e a segunda é de http://bit.ly/12GGPtf (EcoDebate)
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