A cada 100 litros de
água tratada produzida no Brasil, cerca de 40 litros não chegam aos usuários ou
não são cobrados. Esta é uma das evidências alarmantes destacadas em estudo
realizado pela International Finance Corporation – IFC, braço para o setor privado
do Banco Mundial.
As companhias de
saneamento brasileiras perdem em média mais do que o dobro daquilo considerado
padrão internacional satisfatório (10 a 15%). Reduzir perdas significa,
portanto, atender mais usuários com a mesma quantidade de água retirada da
natureza. Nosso maior manancial está em nossa ineficiência. Combatê-la é uma
forma eficaz de responder às legitimas manifestações populares pela melhora na
qualidade dos serviços públicos.
Só é possível
oferecer melhores serviços públicos a preços módicos se houver mais eficiência,
isto é, se se produzir mais com menos.
No setor de
saneamento, reduzir perdas permite postergar investimentos em captação, bem
como aumentar a receita das concessionárias, atenuando a necessidade de
aumentos reais significativos das tarifas. Se os atuais níveis de perda de água
fossem reduzidos em 50% estima-se que as concessionárias de saneamento teriam
ganho adicional de R$ 37 bilhões nos próximos 17 anos. Esse valor corresponde a
quase quatro vezes o investimento médio anual em saneamento no país.
As perdas de água têm
duas origens: as físicas e as comerciais. As perdas físicas são causadas por
redes antigas, vazamentos e extravasamento em função de pressão irregular na
rede de distribuição. Ligações ilegais e roubo de água também contribuem para o
problema. As perdas comerciais derivam de hidrômetros desregulados,
incapacidade de cobrança, cadastro de usuários incompleto, além de fraude de
medidores.
Nos últimos anos o
tema da água passou a integrar, ainda que timidamente, a pauta ambiental de
governos e organizações não governamentais. Iniciativas como a pegada hídrica,
que procura aferir quanto determinada atividade econômica consome de água, se
multiplicaram. Governos têm promovido campanhas de conscientização do uso racional
da água. A proteção de mananciais, por meio da desocupação de suas margens,
despoluição e plantio de árvores constituem práticas recorrentes de entidades
ambientalistas.
Pouca atenção, porém,
tem sido dada à questão da eficiência operacional das concessionárias de água e
seus altos níveis de perdas de água. Reduzi-las significa aumentar a capacidade
de atender maior demanda com a mesma quantidade de água. Consequentemente há
redução da necessidade de ampliar a captação de água e a pressão sobre os mananciais.
Estudo do Instituto Trata Brasil indica que das 100 maiores cidades brasileiras
39% delas precisam ampliar seus sistemas de captação e tratamento de água e 33%
precisam de um novo manancial. Ao reduzir perdas, os investimentos em ampliação
de produção de água podem ser postergados, diminuindo o estresse hídrico e o
custo de capital e liberando recursos para tantas outras prioridades de
política pública.
Para tentar reverter
esse quadro, a IFC lançará manual que servirá de ferramenta para gestores
públicos e privados para estruturar novas formas de contratação de programas de
redução de perdas de água. As diretrizes abordam as dimensões técnica, jurídica
e econômico-financeira.
O modelo proposto tem
como base os contratos de performance e está pautado em três pilares: redução
do custo de transação, financiamento privado e remuneração por resultado.
Diferentemente das contratações públicas tradicionais, onde os diversos
serviços associados a um programa de redução de perdas de água são contratados
por meio de diferentes licitações, o manual propõe uma contratação integrada.
Esse modelo, além de reduzir custos de formatação de projetos, diminui riscos
associados à descoordenação de ações interdependentes. Além disso, a
remuneração do prestador de serviços é vinculada aos resultados obtidos com o
programa. Na prática, as concessionárias de saneamento não são obrigadas a
desembolsar qualquer recurso caso as metas estabelecidas não sejam atendidas. E
o valor a ser desembolsado será gerado pelo próprio projeto. Cabe ao contratado
obter os recursos financeiros necessários à realização do projeto. Esse
mecanismo diminui a pressão financeira sobre as operadoras de saneamento,
muitas delas com acesso limitado a crédito e dependentes de recursos dos
governos estaduais.
A IFC e outros órgãos
multilaterais já dispõem de linhas de financiamento específicas para esse tipo
de projeto. A contratação integrada e por performance assegura ainda que o
prestador de serviços traga para o projeto todo o seu know-how e conhecimento,
pois deverá atingir metas e entregar resultados. Diferentemente do que se pode
pensar, o conhecimento sobre redução de perdas de água não é exclusivo do setor
privado. Algumas empresas estatais de saneamento têm importantes programas de
redução de perdas e já exportam tecnologia para outras empresas públicas.
É o caso da parceria
público-público entre Sabesp (Companhia de Saneamento de São Paulo) e a Casal
(Companhia de Saneamento de Alagoas). A parceria reduziu em vinte pontos
percentuais as perdas em determinadas regiões do município de Maceió. Isso
significou, sem a necessidade de investimento em captação em novos mananciais,
o fim do rodízio de água em alguns bairros e a disponibilidade de maior volume
para abastecimento da orla, onde estão localizados os principais hotéis e
restaurantes da cidade. A sustentabilidade do uso dos recursos hídricos não se
limita às ações de consumo racional da água – indispensáveis para reduzir o
desperdício pela população. É fundamental que a agenda ambiental e social
acolha a eficiência operacional e redução das perdas de água como vetor para a
preservação do meio ambiente e qualidade dos serviços públicos. (EcoDebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário