Características do Semiárido brasileiro: fatores naturais e
humanos
O Semiárido
brasileiro é um dos mais povoados do mundo e, em função das adversidades
climáticas, associadas aos outros fatores históricos, geográficos e políticos
que remontam centenas de anos, abriga a parcela mais pobre da população do país
(NORDESTE..., 1999). Grande parte da população que vive nessa área está
diretamente vinculada a atividades agropastoris e busca seu sustento sobre a
base de recursos naturais existentes em suas propriedades ou no entorno destas.
Tais atividades são altamente dependentes da chuva e, em razão das adversidades
climáticas, com ciclos de secas acentuados, resultam em forte degradação
ambiental.
Estudos realizados
em ambientes semiáridos demonstram uma estreita ligação da atuação do homem
sobre o meio, com processos negativos sobre a flora e a fauna silvestre e,
principalmente, sobre os solos, onde os processos erosivos se intensificam e
passam a constituir indícios marcantes de desertificação, estando o clima fortemente
associado a este contexto.
Aspectos naturais
A característica
marcante da região semiárida é a ocorrência de uma variedade de paisagens e
ambientes. A região semiárida contempla 17 grandes unidades de paisagens, por
sua vez subdivididas em 105 unidades geoambientais, de um total de 172 no
Nordeste como um todo (SILVA etal, 1993).
Em relação à
geologia, Jacomine (1996) dividiu a região em três áreas conforme a natureza do
material originário: áreas do cristalino, áreas do cristalino recobertas por matérias
mais ou menos arenosas e áreas sedimentares.
O relevo da região
é muito variável, o que contribui para o elevado numero de grandes unidades de
paisagem mencionado. A altitude média fica entre 400m e 500m, mas pode atingir
1.000m. Ao redor de 37% da área é de encostas com 4% a 12% de inclinação e 20%
de encostas têm inclinação maior que 12%, o que determina uma presença marcante
de processos erosivos nas áreas antropizadas (SILVA, 2000).
Quatro ordens de
solos, de um total de quinze, ocupam 66% da área sob a caatinga, espacialmente
fracionadas (Latossolos – 19%; Neossolos Litólicos – 19%; Argissolos – 15% e
Luvissolos – 13%). Segundo Silva (2000), 82%da região apresentam solos de baixo
potencial produtivo, seja por limitações de drenagem e de elevados teores de
sódio (Na) trocável (CUNHA et al., 2008; SALCEDO; SAMPAIO, 2008).
Clima e hidrografia
A precipitação
pluviométrica do Semiárido brasileiro é marcada pela variabilidade interanual,
que, associada aos baixos valores totais anuais de chuva, contribui, como um
dos principais fatores, para a ocorrência dos eventos de “secas”. De acordo com
estudo de Marengo (2006) e Rebouças et al. (2006), é apresentada a cronologia
das secas ocorridas a partir do século 16, que podem ser associadas às crises
de produção agrícola e de suprimento de água e alimentos para a população e os
rebanhos. A estes períodos de seca, também, se relacionam os movimentos sociais
que normalmente ocorrem na região. Segundo o mesmo autor, ocorrem entre 18 e 20
anos de seca por período de 100 anos, com ocorrência mais frequente a partir do
século 20.
No que se refere
aos totais anuais, a climatologia das precipitações no Semiárido a qual abrange
todo o Nordeste, se observa que, à medida que se afasta do litoral leste, onde
as chuvas são superiores a 1.000mm, e se vai adentrando para o interior da
região, nos limites do Semiárido, as precipitações diminuem e alcançam valores
médios inferiores a 500mm anuais. No centro, que coincide com o núcleo do
Semiárido, é onde se verificam os menores índices totais anuais de chuva, em
função de essa região coincidir com o ponto final de influência das principais
frentes que convergem para o interior do Nordeste.
O valor anual da
precipitação nem sempre guarda correspondência com a qualidade da estação
chuvosa para o sucesso da atividade agropecuária, vez que podem ocorrer
períodos prolongados de estiagem, que se intercala com episódios de chuvas mais
intensas, ocasionando a conhecida “seca verde”, que também afeta negativamente
a produção agrícola e a disponibilidade de forragem para os animais. Dessa
forma, a distribuição temporal da chuva é muito importante. As chuvas são
concentradas em apenas três ou quatro meses e ocorrem em poucos dias do ano,
sendo, em geral, intensas e intercaladas por períodos de veranicos.
A quadra chuvosa
para os estados do norte do Nordeste, como Ceará, Rio Grande do Norte e parte
da Paraíba, ocorre entre os meses de fevereiro e maio, enquanto que no oeste da
Paraíba e Pernambuco, leste do Piauí e norte da Bahia, os meses mais chuvosos
são janeiro, fevereiro, março e abril, sendo que em algumas dessas regiões, já
é possível observar a ocorrência de precipitação no mês de dezembro.
A irregularidade no
regime pluviométrico, acompanhada pelo intenso calor, resulta em elevadas taxas
de evapotranspiração potencial e real, as quais reduzem a umidade do solo e a
quantidade de água armazenada nos reservatórios. Em outras palavras, a
precipitação reduzida e irregular e as altas taxas evapotranspiratórias durante
o ano resultam em uma balança hídrico negativo.
No Nordeste, a
evaporação varia de 1000 mm.ano-1, no litoral da Bahia e Pernambuco,
atingindo 2.000 mm.ano-1
no interior do Semiárido, podendo chegar a 3.000 mm.ano-1 (IICA,
2002) na área do chamado “Cotovelo do São Francisco”, próximo a Petrolina,
PE/Juazeiro, BA. Os valores mais elevados ocorrem nos meses de outubro a
dezembro e os mínimos, de abril a junho.
A vulnerabilidade
dos agroecossistemas diante desse fenômeno natural e constituir alternativas de
desenvolvimento sustentável.
Aproveitamento
econômico sustentável dos recursos naturais – as bases de um plano de
desenvolvimento socioeconômico
sustentável para o Semiárido. No livro Solo
e água no Polígono das Secas, publicado pela primeira vez em 1949, Duque
(1973) estabeleceu o enfoque ecológico associado ao desenvolvimento econômico e
social, embora, na época, não existisse o conceito de desenvolvimento
sustentável com suas dimensões social, econômica e ambiental. É enfatizado
neste livro que o atraso do Semiárido se explica por uma complexa articulação
entre os condicionantes ambientais, socioeconômicos, políticos e despreparo da
população ou desprezo às técnicas. À época, já era recomendado um forte
programa de educação com enfoque mais tecnológico, visando fornecer subsídios à
população sobre os problemas regionais e suas soluções. Também, foi dada ênfase
à necessidade da multidisciplinaridade, como forma de melhor compreender a
região e identificar tecnologias sustentáveis, nos conceitos atuais.
José Guimarães Duque
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Com disponibilidade
hídrica de mais de 85 bilhões de metros cúbicos de água, dos quais,
aproximadamente, 65% encontram-se nos reservatórios de Sobradinho (34,116
bilhões), Itaparica (11,782 bilhões), Xingó (3,800 bilhões), Moxotó (1,226
bilhões) e Boa Esperança (5,085 bilhões), todos localizados na bacia do São
Francisco (PROJETO ÁRIDAS, 1994).
Estima-se,
atualmente, que em todo o Nordeste existam por volta de 150.000 poços profundos
(CPRM, 2001). Entretanto, devido às características geológicas, com o
predomínio das cochas cristalinas, os sistemas aquíferos são do tipo fissural e
apresentam baixas vazões, em geral, inferiores a 3 m³.h-¹, com elevados teores
de sólidos dissolvidos totais, registrando, em media, 3 g.L-¹, com
predominância de cloretos (LEAL, 1999).
A condição de baixa
disponibilidade hídrica nesta região poderá se agravar caso se confirmem os
cenários globais das alterações climáticas, indicados no Relatório sobre
Mudanças Climáticas do Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC).
Especificamente, no caso do Brasil, os impactos mais severos seriam no
Semiárido, que tenderia a ficar mais seco em função de: a) redução de 15% a 20%
das chuvas e ocorrências de secas mas intensas; b) significativa redução no
nível de água dos reservatórios subterrâneos, com estimativas de até 70% até o
ano 2050;c) aumento da temperatura entre 3ºC e 4ºC para a segunda metade do
século 21, com sérias consequências na redução das vazões do Rio São Francisco
(15% a 20%) e aumento nas taxa de evaporação dos reservatórios de águas
superficiais, e d) alteração na composição da Caatinga, dando lugar a uma
vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas (MARENGO,
2006).
Confirmadas estas
previsões, com o agravamento da escassez de água, segundo Brown et al. (2000),
surgiriam consequências graves na disponibilidade de alimentos, considerando a
necessidade média de mil toneladas de água para produção de uma tonelada de
grãos. A competição pela água influenciaria, portanto, na escassez de alimentos
para a população sempre crescente, principalmente nas regiões que já sofrem com
problemas de falta de alimentos e água, até mesmo para atender o consumo
humano.
No contexto do uso
da água na agricultura, Falkenmark (2002), citando por Gnadlinger et AC.
(2007), ressalta que o uso de tecnologias de captação e manejo de água de chuva
é indispensável em regiões áridas e semiáridas, pois além de fornecer água para
o consumo das famílias, possibilita seu uso pelas plantas, denominada de “água
verde” ou “água azul”, e para os animais.
Os conhecimentos
acumulados sobre os recursos naturais do Semiárido brasileiro, principalmente
no que concerne ao total anual das chuvas ocorridas, permitem concluir que não
é a falta de chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água na região,
mas sua má distribuição, associada a uma alta taxa de evapotranspiração, bem
como a falta de políticas publicas para disponibilizar os meios e orientar a
população para captar e armazenar a água das chuvas para ser utilizada no
período seco. A esses fatores naturais e políticos, está associado o uso
inadequado da água nos mais variados setores – agrícola (irrigação), indústria,
uso doméstico, entre outros, gerando desperdícios e contaminação. Assim, é
essencial o uso racional da água
adotando-se iniciativas para reduzir o consumo e estimular novas atitudes e
comportamentos que gerem menos degradação. A sociedade deve pensar e agir com foco
no desenvolvimento econômico, porém, preservando os recursos naturais,
sobretudo a água. A educação e a conscientização do consumidor são fundamentais
para induzir mudanças em seus hábitos, decisivas em regiões com limitação
naturais de água.
Diante deste
cenário, o maior desafio a ser enfrentado para produzir alimentos, talvez não
seja a escassez de água, mas uma gestão integrada e compartilhada com os
diferentes usuários dos recursos hídricos, como preconizada pela Política
Nacional de Recursos (BRASIL, 1997), fortalecida pelo uso de inovações
tecnológicas voltadas para captação, armazenamento e uso racional da água de
chuva, de forma a reduzir os riscos da produção agrícola.
Vegetação e Fauna
A composição
florística desse bioma não e uniforme e varia de acordo com o volume das
precipitações pluviométricas, da qualidade dos solos, da rede hidrográfica e da
ação antrópica, sendo que essa heterogeneidade, tanto em relação a fisionomia
quanto a composição, tem levado alguns autores
a utilizar sua denominação no plural – as caatingas brasileiras
(ANDRADE-LIMA, 1981).
Aspectos
socioeconômicos
O Semiárido
brasileiro, com quase toda a região nordeste, apresenta os piores indicadores
econômicos e sociais do País. No tocante às atividades econômicas, estas ainda
padecem da consequência direta da herança da arcaica estrutura
agrícola regional com sérios problemas de concentração e desigualdade na
distribuição de terras. Em decorrências, ainda predominam os sistemas agrícolas
diversificados de base familiar, explorados com baixa eficiência de produção,
responsáveis por uma crescente degradação de recursos naturais.
Com
uma economia em crise por causa da desorganização das suas principais
atividades econômica, historicamente vinculada ao complexo gado-algodão-lavouras
alimentares, grande parte da população do Semiárido vive de uma “economia sem
produção”, aqui entendida como aquela construída pelas subvenções sociais e
pelas transferências da União para as prefeituras e governos estaduais (GOMES,
2001). As transferências de renda promovidas pelo governo federal chegam a
beneficias mais de 60% das famílias dos municípios com população inferior a 50
mil habitantes, com baixo PIB per capita, e têm melhorado substancialmente as
condições de vida das populações (HADDAD,2007).
Nestas
áreas dotadas de infraestrutura de irrigação, despontam vários polos
agroindustriais, com carros-chefes dos setores dinâmicos da economia regional.
Os
seis principais polos irrigados localizados na região semiárida (Petrolina,
PE/Juazeiro, BA, oeste Baiano, Baixo Jaguaribe, CE, Alto Piranhas, PB,
Açi-Mossoró, RN e norte de Minas) concentram 197.816 há irrigados, que
correspondem a 27% da área irrigada no Nordeste (BANCO DO NORDESTE,2000). Uma
área irrigada considerável em breve estará entrando em produção, com a entrada
em operação de novos projetos de irrigação públicos em fase de implantação, em
sua maioria, concebidos para os estabelecimentos de parcerias público-privadas
na sua exploração. A pesquisa teve papel importante na geração de conhecimentos
e tecnologias para a agricultura irrigada, como uso e manejo de água , uso de
fertilizantes, introdução, avaliação e recomendação de variedades de frutas e
hortaliças, dentre várias outras contribuições.
Vale
ressaltar o crescimento do numero de experiências organizacionais e produtivas
bem sucedidas, seja em condições de sequeiro, seja em regime de pequenas
irrigações, desenvolvidas em torno da agricultura familiar, que vêm superando a
vulnerabilidade dos agroecossistemas diante das secas e constituindo
alternativas econômicas sustentáveis. Diante da perda progressiva da capacidade
das atividades agrícolas tradicionais de gerar renda para os grupos sociais que
delas dependem, despontam atividade, agrícolas ou não, que local, que passam a
constituir um elemento importante na busca de alternativa para a crise da
economia da região. Várias delas derivam da dinamização de atividades
produtivas tradicionais de reconhecida importância econômica e social, como
pecuária de leite, ovinocaprinocultura, apicultura, cotonicultura,
fruticultura, dentre outras.
Algumas
dessas iniciativas de sucesso, potencializadas pela ação de organizações da
sociedade civil, vêm contribuindo para formar uma nova consciência para o
desenvolvimento do Semiárido, substituindo o conceito de “combate às secas”
pelo de “convivência com o Semiárido”, à muito tempo preconizado e defendido
pela Embrapa Semiárido.
Considerações finais
O
Semiárido brasileiro apresenta uma elevada dependência dos recursos naturais e
os mais baixos indicadores sociais do País. No tocante às atividades
econômicas, ainda predominam os sistemas agrícolas explorando com baixa
eficiência de produção, responsáveis por uma crescente degradação dos seus
recursos naturais.
Entende-se
que é possível encontrar os meios necessários ao progresso técnico da
agricultura e promover maior eficiência da unidade de produção agrícola, a
partir da organização dos fatores produtivos de que ela dispõe. Nessa
perspectiva, não se trata somente de buscar o aumento da produção e da
produtividade dos produtos cultivados, mas, principalmente, o sistema de
produção que melhor se adapte a determinadas condições ecológicas e
socioeconômicas. (spripira)
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