Barreira de
proteção para proteger a praia da força das ondas. Estudo realizado por
pesquisadores de São Paulo e de Pernambuco detalhou a vulnerabilidade da costa
nos dois estados.
As zonas costeiras costumam sofrer alterações provocadas por elementos
naturais, como elevação do nível do mar e o regime de ondas a que são
submetidas. Com as mudanças climáticas, os elementos naturais que influenciam
nas alterações das praias, chamados de condições forçantes, devem se intensificar
e modificar o desenho das terras costeiras.
Pesquisa conduzida em São Paulo e Pernambuco, que investigou os impactos
sofridos por quatro praias nos dois estados, concluiu, no entanto, que os
efeitos da ação humana podem ser ainda mais fortes do que os da natureza.
Executado com apoio da FAPESP e da Fundação de Amparo à Ciência e
Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), o trabalho é resultado de uma
chamada de propostas lançada no âmbito de um acordo de cooperação entre as
instituições.
A pesquisa “Vulnerabilidade da zona costeira dos estados de São Paulo e
Pernambuco: situação atual e projeções para cenários de mudanças climáticas” durou
três anos, período em que foram estudadas as praias paulistas de Ilha Comprida,
no município de mesmo nome, e de Massaguaçu, em Caraguatatuba, e as
pernambucanas praia da Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, e praia do Paiva,
em Cabo de Santo Agostinho.
“Escolhemos praias com características diferentes para fazer as
comparações. Massaguaçu, no litoral norte paulista, e Jaboatão, na região
metropolitana do Recife, são praias urbanas, enquanto Ilha Comprida e Paiva
ficam em regiões menos habitadas”, disse o coordenador do projeto, Eduardo
Siegle, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
(IO/USP), que dividiu a liderança dos trabalhos com a professora Tereza Araújo,
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A pesquisa analisou como as mudanças climáticas globais provocam
alterações na costa. Uma das condições forçantes é o clima de ondas. Segundo Siegle,
as mudanças climáticas provocam alterações nos regimes de ventos, principais
influenciadores na formação das ondas. Com direção e força alteradas, as ondas
podem redesenhar o contorno das praias, refazendo sua morfologia.
“As ondas redefinem os depósitos de sedimentos e as praias atingem um
equilíbrio dinâmico mediante as condições a que estão sujeitas; pode ocorrer
erosão em alguns pontos e deposição de material em outros”, disse Siegle,
acrescentando que uma praia pode encolher, mudar de formato e até aumentar de
tamanho.
Outro fator decorrente das mudanças climáticas é a elevação do nível do
mar, que leva as ondas a ter maior alcance e atingir novos pontos da costa.
Essa condição costuma aumentar erosões e provocar inundações de áreas próximas
à costa.
Um ponto confirmado pelos resultados obtidos foi o fato de que, em
algumas regiões, as ações antrópicas no litoral exerceram mais influência
nessas alterações que as forças da natureza. “Acompanhamos imagens de décadas.
Nesse período, os impactos de uma ocupação mal feita do litoral podem ser muito
maiores do que aqueles provocados por mudanças climáticas”, disse.
Processos de urbanização que impermeabilizam áreas praianas necessárias
ao movimento de sedimentos, por exemplo, costumam provocar erosões de forma
mais acentuada. No estudo, a ação humana figurou entre os principais
influenciadores da vulnerabilidade costeira.
Observação dos processos costeiros
O trabalho também se debruçou sobre as mudanças históricas nas condições
forçantes naturais. Para isso, a equipe lançou mão de modelos computacionais
que simularam essas forças e seus efeitos ao longo das últimas décadas. Outro
método de investigação foi a coleta de dados em campo. Os pesquisadores fizeram
levantamentos morfológicos, que analisam o formato das praias e mediram
parâmetros de suas ondas.
A medição de variáveis físicas na região costeira exigiu a aplicação de
métodos inovadores para colocar instrumentos nas zonas de arrebentação, relatou
Siegle. A equipe acoplou um perfilador acústico de correntes marinhas Doppler
(ADCP) em uma moto aquática com um trenó.
O equipamento fornece parâmetros como velocidade das correntes na coluna
d’água, altura, direção e período das ondas. A moto aquática foi usada para
levantamentos batimétricos e hidrodinâmicos em áreas rasas sujeitas à
arrebentação de ondas, nas quais embarcações convencionais não conseguem
navegar.
Uma série de imagens aéreas registradas ao longo de aproximadamente 40
anos foi outra importante fonte de dados para a pesquisa. Foram acessados
arquivos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do próprio
Instituto Oceanográfico da USP. Por meio de pontos georreferenciados marcados
sobre as imagens, foi possível acompanhar as alterações na faixa costeira ao
longo do tempo.
Com os dados coletados pelos diferentes métodos, o grupo estabeleceu
nove indicadores de vulnerabilidade: posição da linha de costa, largura da
praia, elevação do terreno, obras de engenharia costeira, permeabilidade do
solo, vegetação, presença de rios ou desembocaduras, taxa de ocupação e
configurações ao largo. Este último diz respeito à área de mar aberto adjacente
à região costeira em estudo.
Sistemas praiais mais largos tendem a ser mais estáveis que faixas
estreitas, portanto menos vulneráveis. A presença de vegetação bem desenvolvida
na zona pós-praia sugere um cenário de baixa erosão e rara intrusão de água
salina.
A vulnerabilidade à inundação pode ser estimada, entre outros fatores,
pela permeabilidade do solo. Quanto menos permeável for o solo, mais sujeita à
inundação será a área. E por alterar simultaneamente vários desses fatores, a
taxa de ocupação da costa é um dos mais preponderantes indicadores de
vulnerabilidade de uma área costeira.
Os indicadores foram depois tabulados e classificados de acordo com três
graus de vulnerabilidade: alta, média ou baixa, para cada ano analisado.
Registrou-se a evolução da vulnerabilidade de cada praia estudada e os
pesquisadores chegaram a várias conclusões.
“Entre elas eu destacaria a importância da ocupação humana no litoral na
elevação da vulnerabilidade da praia”, disse Siegle. As praias urbanas nos dois
estados apresentaram situação de vulnerabilidade maior que aquelas com taxa de
ocupação menor.
A aplicação desse método foi detalhada na tese de doutorado de Paulo
Henrique Gomes de Oliveira Sousa, intitulada “Vulnerabilidade à erosão costeira
no litoral de São Paulo: interação entre processos costeiros e atividades
antrópicas”, defendida em 2013 no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia do
IOUSP.
O projeto de pesquisa resultou em cinco trabalhos de iniciação
científica, quatro dissertações de mestrado e duas teses de doutorado, uma com
bolsa FAPESP – Cássia Pianca Barroso desenvolveu o trabalho “Uso de imagens de
vídeo para a extração de variáveis costeiras: processos de curto a médio termo”.
De acordo com Siegle, vários artigos estão em fase de redação e quatro
já foram publicados, entre eles Evolução da vulnerabilidade à erosão costeira
na Praia de Massaguaçú (SP), Brasil no Journal of Integrated Coastal Management
e Vulnerability assessment of Massaguaçú Beach (SP Brazil) na Ocean &
Coastal Management.
Parceria São Paulo-Pernambuco
Além dos resultados científicos, o projeto apresentou como fruto a
aproximação entre instituições de pesquisa paulistas e pernambucanas. “A
interação foi muito grande e pesquisadores pernambucanos participaram das
pesquisas em campo em São Paulo e vice-versa”, contou Siegle.
A aproximação dos grupos levou a outro trabalho conjunto FAPESP-FACEPE,
o projeto “Suscetibilidade e resistência de sistemas estuarinos urbanos a
mudanças globais; balanço hidro sedimentar, elevação do nível do mar, resposta
a eventos extremos”, coordenado pelos professores Carlos Schettini (UFPE)
e Rubens Cesar Lopes Ferreira (IO/USP).
A execução do projeto coordenado por Siegle e Tereza Araújo ainda levou
à formação do Grupo de Trabalho “Respostas da Linha de Costa” que incorpora o
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Ambientes Tropicais Marinhos
(AmbTropic) , sediado no Instituto de Geociências da Universidade Federal da
Bahia e apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(Fapesb). (ecodebate)
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