“Nem
toda mulher nasce para ser mãe e nem toda mãe é mártir” Lya Luft.
“O
que se deve condenar não são as mães, mas a ideologia que incita todas as
mulheres a se tornarem mães” Simone de Beauvoir.
Na maior parte da história humana, as mulheres tiveram
o papel de garantir a reposição da população por meio de altas taxas de
fecundidade. Esta era uma “imposição” de uma época em que as taxas de
mortalidade eram muito elevadas, especialmente as taxas de mortalidade
infantil. A opção existente era: ter muitos filhos ou ver a população diminuir,
ou mesmo desaparecer. As mães eram “heroínas” confinadas ao espaço doméstico e
da reprodução. Mesmo sendo uma construção social, a maternidade era vista como
um instinto, uma tendência feminina inata.
Mas esta situação começou a mudar – especialmente no
século XX, começando pelo mundo ocidental – quando as taxas de mortalidade
infantil começaram a cair rapidamente, aumentando o número de crianças
sobreviventes. Após a transição epidemiológica, para se repor a população,
bastava algo em torno de dois ou três filhos. Assim as mulheres não precisavam
mais ficar todo o período reprodutivo (15-49 anos), dedicadas às tarefas da
reprodução e da maternidade. Vivendo mais e dedicando menos tempo à reprodução
abriu-se espaço para as mulheres abandonarem o confinamento doméstico.
Na Primeira Onda do feminismo (final do século XIX até
aproximadamente 1960), as mulheres foram para as ruas exigirem o direito de
voto (movimento sufragista), o direito à educação e ao trabalho e outros
direitos civis e políticos. Por exemplo, Simone de Beauvoir, no livro “O
segundo sexo”, mostrou que a noção de mulher é uma construção social e não um
fato biológico: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”.
A Segunda Onda do feminismo ganhou força a partir dos
anos de 1960 quando as mulheres buscaram romper com os padrões tradicionais,
combatendo a opressão, exigindo o fim de toda discriminação e segregação,
buscando implementar a completa igualdade entre os sexos e combatendo as
estruturas sexistas de poder. A luta pela “libertação sexual” ganhou uma
dimensão importante, inclusive com o questionamento de que as mulheres teriam
satisfação em apenas cuidar dos filhos e do lar.
Na segunda metade do século XX, o feminismo ajudou a
reconfigurar o quadro econômico e demográfico do mundo, em especial, nos países
com maiores níveis de renda e desenvolvimento. As mulheres entraram em massa
nas universidades e no mercado de trabalho, enquanto as taxas de fecundidade
caíram abaixo do nível de reposição e o envelhecimento populacional passou a
ser a característica marcante da transição da estrutura etária.
Desta forma, não tardou a surgir o contra-ataque
antifeminista, abrindo uma guerra declarada contra as mulheres independentes,
autônomas e empoderadas, buscando reverter a busca feminina pela igualdade. Os
setores conservadores, reforçando a divisão sexual do trabalho, dividiram a
vida das mulheres em duas: emprego e lar, dizendo que este último era o único
caminho para uma existência completa e satisfatória. Se as mulheres resistiam a
essa imposição, eram alvos de punições psicológicas e materiais. Num contexto
de baixas taxas de fecundidade, as políticas pronatalistas passaram a reforçar
o mito do amor materno.
Como mostrou Elisabeth Badinter, as mulheres de hoje
estão sob uma pressão cada vez maior para ter filhos. Mas não é mais suficiente
apenas ser mãe, elas precisam ser mães perfeitas que só amamentam no peito, que
ficam em casa com os filhos por bastante tempo e que os criam da melhor forma
que podem.
Segundo Badinter (30/08/2010): “Estamos vivendo
atualmente uma fase complicada de nosso desenvolvimento, uma volta a um tempo
que já passou. Na França, chamamos esse fenômeno de ‘a criança rei’, ou ‘a
criança é o rei’. De acordo com essa visão, os interesses da mãe são claramente
menos importantes do que os da criança; eles são secundários. E isso, por sua
vez, traz consigo o desejo de que a criança seja perfeita. Muitas das jovens
mães de hoje acreditam que se fizerem o esforço de ficarem em casa e se
dedicarem completamente a seus filhos, querem que eles sejam perfeitos também:
perfeitamente educados, inteligentes, equilibrados, em harmonia com a natureza.
Eu honestamente me pergunto como isso afeta a criança a longo prazo”.
A filósofa francesa Elisabeth Badinter teve três
filhos e não é contra a maternidade, mas sim contra o mito do amor materno e as
tentativas de restaurar a antiga ideologia da segregação sexista. Segundo ela:
“Não há um único estilo de vida feminino e se formos um pouco lúcidos,
reconheceremos que há muitas mulheres que farão melhor se jamais forem mães”.
Os defensores de políticas pronatalistas deveriam ler os trabalhos de Badinter
e evitar jogar os custos do natalismo sobre os úteros e ombros femininos.
(ecodebate)
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