A acidificação dos oceanos já
levou à extinção de 50% dos recifes de corais do mundo
"Os oceanos, para as
nossas vidas, são tão ou mais importantes que as florestas terrestres: mais de
60% do oxigênio é produzido por algas marinhas, embora as pessoas associem a
produção do oxigênio somente às florestas", diz a coordenadora do Programa
Marinho do WWF.“Quando se fazem políticas públicas no Brasil e se olha para a conservação de áreas terrestres ou marinhas, enxerga-se a conservação como um impeditivo ao desenvolvimento. (…) Quando discutimos especificamente a proteção de áreas marinhas, o Ministério de Minas e Energia alega que a proteção será um impeditivo à exploração de petróleo e gás, por exemplo, sendo que existem mecanismos e políticas desenvolvidas em vários locais do mundo que mostram que é possível conciliar a conservação e o desenvolvimento”.
As
críticas são feitas por Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho do
WWF Brasil, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Segundo
ela, “se o governo definir as áreas de exclusão de pesca em unidades de
conservação, isso não significa que a pesca será proibida durante todo o tempo.
Ao contrário, essas unidades de uso sustentável definem critérios e períodos
para que a pesca ocorra, o que no longo prazo garantirá a abundância do estoque
pesqueiro e a abundância da subsistência da própria economia”.
Na
entrevista a seguir, Anna Carolina Lobo informa que desde 2011
o Ministério da Pesca parou de monitorar as atividades pesqueiras no país, “o
que significa que não temos a menor ideia de quais espécies estão sendo
exploradas, quais espécies estão sendo extintas, quais estão ameaçadas”, frisa.
Depois da reforma ministerial, em que o Ministério da Pesca foi substituído por
uma Secretaria no Ministério da Agricultura, Anna enfatiza que a retomada do
monitoramento da costa brasileira será fundamental para ter acesso a
informações sobre a atual situação dos recursos marinhos no país. “O governo
precisa usar estudos que já existem e que apontam as áreas prioritárias para a
conservação ao longo da costa. Então, é preciso usar esses estudos para avançar
no sentido de criar novas áreas de preservação”, afirma. De acordo com
ela, atualmente, apesar de existirem 62 Unidades de Conservação de áreas
marinhas, elas representam menos de 2% de toda a biodiversidade marinha
brasileira protegida.
Anna
explica ainda quais são as principais causas que estão comprometendo a
qualidade da flora e da fauna dos oceanos e afirma que as expectativas para o
futuro não são animadoras. “A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de
corais do mundo colapsem, ou seja, daqui a 15 anos, e ninguém sabe qual será o
impacto disso para as nossas vidas”, adverte.
Anna
Carolina Lobo é pós-graduada em Gestão Ambiental e atualmente coordena o
Programa Marinho do WWF.
IHU On-Line - Segundo informações da WWF, menos de 2% de toda a biodiversidade marinha brasileira está protegida. Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelo Brasil no sentido de avançar na conservação dos recursos marinhos?
IHU On-Line - Segundo informações da WWF, menos de 2% de toda a biodiversidade marinha brasileira está protegida. Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelo Brasil no sentido de avançar na conservação dos recursos marinhos?
Anna
Carolina Lobo - A principal questão é o governo e os principais setores
econômicos enxergarem na conservação marinha e costeira um potencial de
impulsionar a economia. Quando se fazem políticas públicas no Brasil e se olha
para a conservação de áreas terrestres ou marinhas, enxerga-se a conservação
como um impeditivo ao desenvolvimento, e por isso faz muitos anos que o Brasil
não cria novas áreas de proteção. Quando discutimos especificamente a proteção
de áreas marinhas, o Ministério de Minas e Energia alega que a proteção será um
impeditivo à exploração de petróleo e gás, por exemplo, sendo que existem
mecanismos e políticas desenvolvidas em vários locais do mundo que mostram que
é possível conciliar a conservação e o desenvolvimento.
O
Brasil é responsável por 30% da produção de pescado mundial, e há uma
estimativa de que aproximadamente um milhão de pessoas trabalhe com pesca
profissional, o que dá uma média de 3,5 milhões de empregos. Uma boa parte
desses pescadores profissionais são pescadores de pequena escala, o que
significa que esse é o principal modo de subsistência de muitas famílias que
vivem ao longo da costa, porque ¼ da população brasileira reside na costa
brasileira.
Se o
governo definir áreas de exclusão de pesca em unidades de conservação, isso não
significa que a pesca será proibida durante todo o tempo. Ao contrário, essas
unidades de uso sustentável definem critérios e períodos para que a pesca
ocorra, o que a longo prazo garantirá a abundância do estoque pesqueiro e a
abundância da subsistência da própria economia.
IHU
On-Line - É possível manter a exploração de petróleo e a preservação
dos recursos marinhos?
Anna
Carolina Lobo - Sim, mas tudo precisa ser estabelecido a partir de critérios:
como a exploração será feita, quais são os planos de exploração, em quais
lugares serão feitas as explorações. Por meio de um zoneamento e uma análise de
trade-off, é possível garantir o desenvolvimento e a preservação dos
recursos marinhos. A Holanda, por exemplo, há quase um século garante o
desenvolvimento com a conservação.
O
WWF internacional lançou um estudo recente, intitulado Reviving the Ocean
Economy (Revitalizar a economia dos oceanos), no qual observaram, por uma série
de estudos, que o PIB torna a economia dos oceanos a sétima maior economia
mundial. Ou seja, o PIB dos oceanos é equivalente a 2,5 trilhões de dólares, o
que colocaria os oceanos acima da economia brasileira, que está em 8º lugar.
Isso demonstra o quanto os oceanos podem contribuir para a nossa economia.
“O PIB dos oceanos é equivalente a 2,5 trilhões de dólares”
“O PIB dos oceanos é equivalente a 2,5 trilhões de dólares”
IHU
On-Line - Por que a preservação dos oceanos é menos prioritária do que
a das florestas?
Anna
Carolina Lobo - Porque acontece algo como: o que não é visto, parece que não
existe. Ou seja, o que está embaixo d’água não é visto, porque precisa de uma
série de conhecimentos específicos para compreender o impacto da falta de
preservação dos oceanos. Os oceanos, para as nossas vidas, são tão ou mais
importantes que as florestas terrestres: mais de 60% do oxigênio é produzido
por algas marinhas, embora as pessoas associem a produção do oxigênio somente
às florestas. A acidificação dos oceanos acontece por conta do despejo de
esgoto e agrotóxicos nas águas, e isso já levou à extinção de 50% dos recifes
de corais do mundo, que também morreram por conta do aquecimento global. Os
recifes de corais são a base para toda a vida marinha, ou seja, são eles que
sustentam as vidas marinhas e influenciam diretamente o estoque pesqueiro.
Temos
de considerar também que a poluição dos oceanos impacta diretamente no que
estamos consumindo: a fauna marinha consome metais pesados e todo o lixo que
está embaixo d’água, e posteriormente nós consumimos os peixes contaminados.
O
que falta é as pessoas terem ciência do impacto que a vida marinha tem na nossa
vida, a partir de uma compreensão de todo o ciclo da cadeia alimentar, para
entender que é preciso pressionar os governos e saber mais sobre como o impacto
dos oceanos influencia diretamente na nossa vida.
IHU
On-Line - Qual é a atual situação ambiental da costa brasileira? Quais
são as áreas marinhas em que há mais e menos proteção?
Anna
Carolina Lobo – O território marinho costeiro brasileiro é equivalente à metade
do território nacional da floresta amazônica, ou seja, é um território muito
relevante, com dimensões continentais, e que está sendo negligenciado. Além da
questão do uso de pesticidas que contribuem para a acidificação dos oceanos, da
falta de áreas protegidas, tem uma questão latente que está sendo discutida
entre as ONGs de conservação marinha, os governos e os setores produtivos, que
é a questão da pesca. Desde 2011 o Ministério da Pesca — que agora será uma secretaria
dentro do Ministério da Agricultura - parou de fazer monitoramento das
atividades pesqueiras, o que significa que não temos a menor ideia de quais
espécies estão sendo exploradas, de quais espécies estão sendo extintas, quais
estão ameaçadas etc. Então, retomar o monitoramento é fundamental.
Este
ano, pela primeira vez na história do Ministério da Pesca, uma boa equipe
assumiu esse trabalho de monitoramento e começou a retomar os Comitês de Gestão
Pesqueira não só ao longo da costa, mas também em territórios de água doce. Ou
seja, essa atividade acabou de ser retomada e é considerada o primeiro passo
para recuperar o monitoramento das atividades pesqueiras, mas agora recebemos
essa notícia de que o Ministério vai virar uma secretaria. Então, é importante
que o Ministério da Agricultura, com essa nova atribuição, entenda a
importância de ter um bom quadro técnico e mantenha as políticas que começaram
a ser retomadas depois de tantos anos.
Em
relação às áreas protegidas, existem 62 Unidades de Conservação espalhadas pela
costa brasileira. Entre elas, destaca-se Fernando de Noronha, que as pessoas
conhecem bem porque é um importante destino turístico, e um parque de proteção
ambiental marinha; Abrolhos, na Bahia, que conserva as baleias e corais; o litoral
paulista também é protegido por áreas de proteção ambiental marinha; e existem
ainda reservas extrativistas espalhadas ao longo da costa. Enfim, são muitas as
áreas, mas elas ainda representam menos de 2% das áreas protegidas.
“A poluição dos oceanos impacta diretamente no que estamos consumindo”
“A poluição dos oceanos impacta diretamente no que estamos consumindo”
IHU
On-Line - Do ponto de vista de política pública, o que é preciso fazer
para garantir o monitoramento da costa marinha na prática?
Anna
Carolina Lobo - Em relação às áreas protegidas, é necessário investir em
parcerias com o setor privado, por exemplo, porque nesse momento de crise,
alguns setores, como o de meio ambiente, tem menos prioridade nas contas do
governo. Então, uma alternativa é a parceria privada entre empresas e ONGs para
garantir a melhor gestão das áreas que já existem, porque embora seja um
percentual pequeno de áreas protegidas, a equipe que faz a gestão dessas áreas
carece de recursos humanos, financeiros, materiais e técnicos para garantir a
gestão desses territórios. Para se ter uma ideia, há pouco tempo o Ibama tinha
três barcos para fazer a gestão de toda a costa brasileira, e dois estavam
quebrados, ou seja, eles faziam esse monitoramento com um único barco.
Além
disso, o governo precisa usar estudos que já existem e que apontam as áreas
prioritárias para a conservação ao longo da costa. Então, é preciso usar esses
estudos para avançar no sentido de criar novas áreas de preservação. No ano
passado, o Brasil se comprometeu publicamente no Congresso Mundial de Parques,
em Sydney, na Austrália, em aumentar o percentual de áreas protegidas em 5%.
Mas na semana passada, no Congresso brasileiro de Unidades de Conservação, em
Curitiba, onde a questão da ampliação das áreas marinhas protegidas surgiu na
discussão, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio
afirmou que é prioritário ampliar o número de áreas de conservação, mas alegou
que está difícil de pôr isso em prática e, por isso, é preciso o apoio da
sociedade civil. Então, dá para perceber, por meio desse depoimento, que há uma
pressão dos setores econômicos para a não criação de novas áreas protegidas. A
sociedade tem de ter ciência disso e precisa cobrar e mostrar para o governo e
os setores econômicos que entende o que está acontecendo, e pressionar para que
novas áreas sejam criadas para a garantia da própria economia e da segurança
alimentar.
IHU
On-Line - A proteção dos recursos marinhos aparece como parte das metas
da COP-21?
Anna
Carolina Lobo - Essa questão não é mencionada nas metas, embora saibamos que
independentemente de citarem ou não, caso haja avanços para evitar o
Aquecimento global, o impacto disso na conservação de corais e da vida marinha
será imediato. Há poucos meses morreram mais de 10 mil peixes no aquário de
Campo Grande, que está sendo construído pelo governo e que depois será, por
meio de concessão, administrado por alguma empresa privada. Quando foram
verificar porque os peixes morreram, descobriram que eles estavam na
quarentena, que a obra atrasou e teve um aquecimento de 2 graus nas águas do
aquário, o que gerou a morte de mais de 10 mil peixes. Essa situação demonstra
exatamente qual é o impacto do aumento do aquecimento global para a conservação
marinha.
Embora
o governo não enfatize a conservação marinha, uma vez que o Brasil é signatário
dos acordos climáticos e tem um compromisso em evitar a emissão de gás
carbônico, essas ações também são importantes para evitar o colapso que estamos
vislumbrando que irá acontecer com os oceanos. A estimativa é de que até 2030,
90% dos recifes de corais do mundo colapsem, ou seja, daqui a 15 anos, e
ninguém sabe qual será o impacto disso para as nossas vidas. Há uma relação
direta entre mudanças climáticas e oceanos, e esse é um tema que mereceria um
debate especial.
“Há pouco tempo o IBAMA tinha três barcos para fazer a gestão de toda a costa brasileira, e dois estavam quebrados”
“Há pouco tempo o IBAMA tinha três barcos para fazer a gestão de toda a costa brasileira, e dois estavam quebrados”
IHU
On-Line - Estão sendo realizadas pesquisas no Brasil sobre a situação
da biodiversidade da costa marinha?
Anna
Carolina Lobo - lançada uma publicação da Portaria 445 do Ministério do Meio
Ambiente, que trata das espécies ameaçadas de extinção no ambiente aquático
marinho. Essa portaria foi derrubada por meio de uma ação do setor pesqueiro,
mas o fato é que a pesquisa é resultado de mais de cinco anos de investigação,
que envolveu mais de cem cientistas, que identificaram que temos mais de 400
espécies ameaçadas de extinção e várias em vulnerabilidade. A principal questão
é como esses estudos consistentes chegam de uma forma traduzida para a
sociedade, porque é preciso fazer com que o conteúdo desses estudos chegue à
sociedade para que se entenda o que acontece e o que pode ser feito, inclusive,
no âmbito das nossas ações para mudar essa situação. Por exemplo, antes de
comprar um pescado, o consumidor pode saber a procedência, onde foi pescado, ou
seja, enquanto consumidores podemos contribuir para mudar esse cenário.
IHU
On-Line - Estudos ou políticas de preservação dos oceanos de algum
lugar do mundo podem servir de referência para o Brasil? Quais?
Anna
Carolina Lobo - Sim, muitos. A rede WWF internacional divulgou, além do estudo
que mencionei anteriormente, outro sobre a pegada ecológica global dos oceanos.
Esse estudo é resultado do trabalho de pesquisa de muitos cientistas e
universidades de vários países, e demonstra que 50% da vida marinha já está
extinta.
IHU
On-Line - O que são iniciativas como a Aliança de Alto Mar, uma
coalizão de 27 organizações não governamentais, para preservar os oceanos?
Anna
Carolina Lobo - Trata-se de uma proposta fundamental, porque mais de 50% dos
oceanos do mundo está em área que são águas internacionais, ou seja, áreas que
não são protegidas por nenhum país, porque nenhum deles é responsável por elas.
Então, estamos falando de uma área relevante. Essa coalizão visa fazer uma
análise de como está a sobrepesca nesses territórios, porque eles acabam
virando “terra de ninguém”.
“A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de corais do mundo colapsem”
“A estimativa é de que até 2030, 90% dos recifes de corais do mundo colapsem”
IHU
On-Line - Em termos políticos, algum país deve se responsabilizar por
essas áreas?
Anna
Carolina Lobo - A ideia da Aliança de Alto Mar é pressionar os governos para
que eles sejam signatários de acordos internacionais na conservação dessas
águas internacionais, e existem protocolos que são priorizados, e que são
trazidos da ONU para os governos. No caso do Brasil, essa iniciativa tenta
fazer com que o Itamaraty e alguns ministérios possam entender a importância
dessa discussão. O Brasil, por exemplo, no âmbito internacional, pode
influenciar as ações dos países do BRICs, porque a China é o principal poluidor
dos mares do mundo. Nesse sentido, enquanto a Aliança de Alto Mar pressiona o
Brasil para ser signatário do acordo, o Brasil também pode servir de exemplo
para outros países, e ser mais atuante e influente. Tudo isso tem um impacto
positivo na conservação dos oceanos. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário