Aquecimento extremo trará
‘mortes em massa’, alertam especialistas
Grupo
de elite da climatologia quer que governos considerem risco de planeta
esquentar de 4 a 7°C, o que causaria o colapso da civilização; análise começa a
ser feita no Brasil.
Um
vídeo exibido a uma plateia pequena dia 05/10/15 em Brasília, mostrava sem
eufemismos o que poderia acontecer com o planeta caso o aquecimento global
saísse de controle e atingisse o patamar de 4°C a 7°C. Imagens de florestas
queimando, lavouras mortas e inundações se sucediam enquanto uma narradora
vaticinava “mortes em massa para pessoas que não tiverem ar-condicionado 24
horas por dia” e “migrações forçadas”. “Nos tornaremos parte de um ambiente extinto”,
sentenciou. O fato de que a cidade passava por uma onda de calor, tendo
registrado dias antes a maior temperatura desde sua fundação, ajudava a compor
a atmosfera.
Num
pequeno palco, em poltronas brancas, um grupo formado em sua maioria por homens
de meia idade assistia à exibição. Entre eles estavam alguns membros da elite
da ciência do clima, como Carlos Afonso Nobre e José Marengo, membros do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, e Sir David King, representante
para Mudanças Climáticas do Reino Unido.
Até
não muito tempo atrás, esses mesmos homens descontariam como alarmismo ou
ficção científica as afirmações do vídeo. Hoje, são as pesquisas deles que
embasam os cenários de apocalipse pintados ali.
Os
cientistas reunidos em Brasília fazem parte de um grupo internacional reunido
por David King em 2013 para tentar produzir uma avaliação de riscos de mudanças
climáticas extremas. O trabalho foi iniciado nos EUA, na Índia, na China e no
Reino Unido e agora começa a ser feito no Brasil. Ele parte do princípio de que
a probabilidade de que o aquecimento da Terra ultrapasse 4°C é baixa, mas as
consequências potenciais são tão dramáticas que os governos deveriam
considerá-las na hora de tomar decisões sobre corte de emissões e adaptação.
“Trata-se
de uma visão muito diferente da mudança climática”, afirmou King, um físico
sul-africano que serviu durante anos como conselheiro-chefe para ciência do
primeiro-ministro Tony Blair. “O IPCC fez um ótimo trabalho, mas é preciso uma
avaliação do risco de que aconteça algo catastrófico ligado à mudança
climática.”
Ele
citou como exemplo os piores cenários de mudança climática projetados para a
China: elevações do nível do mar que afetassem a costa leste do país, lar de
200 milhões de pessoas, quebras da safra de arroz – que têm de 5% a 10% de
chance de ocorrer mesmo com elevações modestas na temperatura – e ondas de
calor que estejam acima da capacidade fisiológica de adaptação do ser humano.
“Com
mais de três dias com temperaturas superiores a 40°C e muita umidade você não
consegue compensar o calor pela transpiração e morre”, afirmou King.
Com
um aquecimento de 4°C a 7°C, estresses múltiplos podem acontecer de uma vez em
várias partes do mundo. “Estamos olhando para perdas maciças de vidas”, afirmou
King. “Seria o colapso da civilização.”
RUMO
A 4°C
Os
modelos climáticos usados pelo IPCC projetam diferentes variações de
temperatura de acordo com a concentração de gás carbônico na atmosfera. Esses
cenários se chamam RCP, sigla em inglês para “trajetórias representativas de
concentração”, e medem quanto muda o balanço de radiação do planeta, em watts
por metro quadrado. Eles vão de 2.6 W/m2 – o cenário compatível com
a manutenção do aquecimento na meta de 2°C, considerada pela ONU o limite
“seguro” – a 8.5 w/m2, que é para onde o ritmo atual de emissões
está levando a humanidade.
“O
RCP 8.5 nos dá quase 100% de probabilidade de o aquecimento ultrapassar os 4°C
no fim deste século”, afirmou Sir David King. E quais seriam as chances de mais
de 7°C? Até o fim do século, baixas. “Eu sou velho, então estou bem. Mas tenho
dois netos que vão viver até o fim do século, e eles vão querer ter netos
também. Não ligamos para o futuro?”
Segundo
Carlos Nobre, avaliar e prevenir riscos de um aquecimento extremo é como comprar
um seguro residencial: mesmo com probabilidade baixa de um desastre, é algo que
não dá para não fazer, porque os custos do impacto são basicamente impossíveis
de manejar.
Para
o Brasil, esses riscos são múltiplos: vão desde a redução em 30% da vazão dos
principais rios até o comprometimento do agronegócio e extinção de espécies.
Cenários regionais traçados a partir dos modelos do IPCC já apontam para
aquecimentos de até 8°C em algumas regiões do país neste século, o que tornaria
essas áreas essencialmente inabitáveis por longos períodos.
“Mesmo
se limitarmos as emissões a 1 trilhão de toneladas de CO2, [limite
compatível com os 2°C] ainda podemos ultrapassar os 3°C”, afirmou o cientista,
atualmente presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior).
Segundo
ele, não há outro caminho a tomar que não seja limitar as concentrações de CO2
na atmosfera a 350 partes por milhão. Ocorre que já ultrapassamos as 400 partes
por milhão em 2014, e os compromissos registrados pelos países para o acordo de
Paris não são capazes nem mesmo de garantir o limite te 1 trilhão de toneladas.
Única
mulher do painel, Beatriz Oliveira, da Fiocruz, apontou o risco de muita gente
no Brasil literalmente morrer de calor, em especial nas regiões Norte e Nordeste.
“Você poderia ficar exposto e realizar atividades externas no máximo por 30
minutos. O resto do dia teria de passar no ar-condicionado”, disse.
Questionada
pela plateia ao final do evento, a pesquisadora mencionou um único lado
positivo do aquecimento extremo: a redução na incidência de doenças
transmitidas por insetos, como a dengue. “Nem o mosquito sobrevive”, disse.
(ecodebate)
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