Reciclagem de resíduos da cadeia produtiva do
pescado poderá viabilizar coprodutos
A
professora Marilia Oetterer, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e
Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, em
Piracicaba, coordena pesquisas que procuram reciclar resíduos do processamento
de pescado visando obter coprodutos com valor agregado. Desperdícios e resíduos
do pescado chegam a representar 70% do total da produção em todo o mundo. A
coleta seletiva dos resíduos é possível obter óleo, farinha, concentrado e
hidrolisado proteico, silagem, adubo, ração, minerais, entre outros.
Estudos
buscam sustentabilidade da cadeia e minimização do impacto ambiental
Com
esse propósito trabalha a equipe do Grupo de Estudo e Extensão em Inovação
Tecnológica e Qualidade do Pescado (Getep), coordenado pela professora Marilia.
“Os estudos buscam a sustentabilidade da cadeia produtiva, a minimização do
impacto ambiental e o aumento da receita na empresa processadora”, complementa
a docente. Segundo a coordenadora do Getep, ao selecionar os resíduos é
possível obter frações mais específicas, o que possibilita a obtenção de
coprodutos de maior valor. “A silagem é uma forma pouco onerosa, independente
de escala, que utiliza para a sua elaboração, as próprias enzimas tissulares
[da pele e dos tecidos] e das vísceras do pescado e que pode se constituir em
fonte proteica para a alimentação animal. Em contraparte, o hidrolisado
proteico exige a utilização de enzimas específicas e um processo controlado.”
Uma
dessas pesquisas foi desenvolvida pela bióloga Taciana Lunelli no Programa de
Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPG-CTA). O objetivo foi
elaborar e caracterizar hidrolisados proteicos de cabeças de tilápia
(Oreochromis niloticus), e aferir a atividade antioxidante deste coproduto. “O
hidrolisado proteico foi obtido por hidrólise enzimática e empregando as
enzimas Neutrase (Protemax NP-800), Papaína (Brauzyn-100) e Pepsina”, detalha
Taciana. Os resultados apontaram que as propriedades observadas nos
hidrolisados indicam que este pode ser um potencial suplemento alimentício.
“Além de apresentar fácil e rápida elaboração, servem como fonte rica de
proteína, aditivos para conservação de alimentos e, também, na indústria
farmacêutica”, complementa a autora do estudo.
Substrato
utilizado em análises laboratoriais para fins de diagnóstico, a peptona pode
ter, a partir de outro estudo desenvolvido no Getep, uma alternativa natural. A
autora é Ligianne Din Sirahigue Viani, que propôs em seu doutorado, defendido
no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP, frações aquosas
obtidas das silagens de tilápia e beijupirá. “Essas porções podem ser
convertidas em peptonas a partir do fracionamento seguido de liofilização”,
explica. Ainda segundo Ligianne, o processo para obtenção de silagem mostrou-se
simples e de fácil manuseio, não exigindo equipamentos e procedimentos
custosos. “A peptona obtida tanto a partir da tilápia quanto do beijupirá
revelou-se alternativa viável, à peptona comercial, uma vez que esses
coprodutos apresentaram-se estáveis à temperatura ambiente; o pH próximo de 4,
garante a qualidade do coproduto pelo período de 40 dias de armazenamento”.
Coleta
seletiva
A
professora Marília conta ainda que a coleta seletiva pode otimizar o coproduto
a se obter. “Coprodutos também estão sendo elaborados com o reaproveitamento da
água gerada no processamento para obtenção de CMS- carne mecanicamente separada
e elaboração de Minced, que por sua vez é matéria prima para obtenção de nuggets,
embutidos, salsichas, entre outros produtos de vida útil extensa e considerados
de conveniência atendendo mercado emergente.”
Nessa
linha segue o trabalho da cientista de alimentos Suzan Blima Paulino Leite, que
faz seu mestrado também no CENA, com orientação da coordenadora do Getep. Suzan
ainda está nas etapas de análise, mas revela o que motivou o estudo. “O grande
volume de resíduo líquido no processamento industrial de Minced, que pode ser
descartado no ambiente sem qualquer tratamento despertou meu interesse. Esse
resíduo tem grande potencial para se tornar um coproduto em razão da quantidade
e qualidade dos peptídeos presentes.”
O
projeto está em desenvolvimento, e as atividades estão sendo realizadas no
Laboratório de Qualidade e Inovação Tecnológica de Pescado, com colaboração de
outros laboratórios do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição.
Também são vinculados ao projeto do mestrado, alunos de iniciação científica e
de trabalho de conclusão de curso, pertencentes ao curso de graduação em
Ciências dos Alimentos da Esalq. “Esta pesquisa trará benefícios ambientais e
econômicos ao setor industrial, colaborando para a sustentabilidade da cadeia
produtiva do pescado, devido ao reaproveitamento da água residual do
processamento de Minced, e a elaboração de coproduto de ótimo valor agregado,
que poderá ser grande interesse a indústria farmacêutica e alimentícia”,
finaliza.
Esta
linha de pesquisa coordenada na Esalq pela professora Marília Oetterer
iniciou-se com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) via edital Ciências do Mar, com parceria com a
Universidade do Porto e com o Instituto Português de Ciências do Mar, com a
participação do professor Paulo Vaz Pires. A pesquisa pioneira foi a tese de
doutorado no Cena, da pesquisadora Lia Ferraz de Arruda Sucasas, gerada no
programa de mobilidade estudantil Santander.
Os
trabalhos realizados também contam com fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), além de várias bolsas de mobilidade
estudantil. Além das pesquisas citadas nessa reportagem, há a de doutorado em
andamento no PPG-CTA de Márcia Harada, pesquisadora do Ital, dos mestrados já
realizados de Lika Anbe e Werner Martins; além da iniciação científica de Aline
Camargo e Tatiane Martins. Com apoio da Fapesp, em agosto deste ano, a bióloga
e supervisora do Getep, Juliana Galvão, esteve em Montpellier, na França,
divulgando estes resultados no congresso internacional Aquaculture 2015.
(ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário