“Não basta a gestão dos resíduos sólidos ser
integrada. Ela precisa ser sustentável, envolvendo o conceito de integração
entre as etapas do fluxo dos resíduos e ainda os aspectos ambientais, sociais,
políticos, econômicos”, diz o biólogo.
Apesar
de a Lei n° 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos -
PNRS, ter sido promulgada há cinco anos, o modelo vigente de gestão de resíduos
sólidos no Brasil ainda “é o que preza pelo aterramento dos resíduos sólidos e
pelo desperdício de matéria-prima”, afirma Ednilson Viana à IHU On-Line.
Na
entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele explica que esse modelo “é
responsável pelo esgotamento rápido dos aterros sanitários e por contribuir
para agravar os impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública pelo uso
alargado de lixões e aterros controlados”.
Viana
pontua que as áreas para a implantação de aterros sanitários “estão ficando
cada vez mais raras e distantes dos centros urbanos (…). Desta forma, os
resíduos poderão viajar centenas de quilômetros para serem dispostos no solo, o
que encarece toda a cadeia de coleta e transporte e, consequentemente, uma
elevação nas taxas a serem cobradas para geri-los”. De acordo com ele, se os
problemas centrais relacionados à gestão dos resíduos sólidos não forem
solucionados com urgência, poderemos assistir a situação crítica para os
resíduos no futuro. “Quando se observa que aproximadamente 96% dos resíduos
sólidos urbanos são encaminhados para aterros sanitários, que uma grande
quantidade de métodos inadequados é utilizada (lixões e aterros sanitários),
que convivemos com um aumento na produção de resíduos, com uma responsabilidade
compartilhada pelos resíduos, dentre outros fatores, é fácil concluir que no
futuro, se continuarmos assim, não teremos mais espaço para colocar tantos
resíduos e teremos os problemas agravados pela disposição inadequada”, adverte.
Na
avaliação de Viana, um modelo de gestão dos resíduos sólidos eficiente consiste
em compreender os resíduos como “matéria-prima” que pode originar novos
produtos através da reciclagem. Essa concepção sustentável de gestão sugere que
“não basta apenas fazer a coleta seletiva dos materiais recicláveis. É preciso
ter qualidade de separação na fonte geradora para que se tenha um produto final
de boa qualidade no final do processo de reciclagem”, frisa. Ele enfatiza ainda
que para que a gestão dos resíduos melhore no país, é preciso de um novo modelo
que possa ir além dos consórcios que existem hoje.
Ednilson
Viana é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista –
UNESP, mestre em Ciências pelo Instituto de Química de São Carlos – IQSC/USP e
doutor em Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP.
Atualmente é professor da Universidade de São Paulo – USP, onde desenvolve
trabalhos na área de Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos.
IHU
On-Line - Que modelo de gestão de resíduos sólidos existe hoje no
Brasil? Quais são os aspectos negativos e os positivos desse modelo de gestão?
Ednilson
Viana - O nosso modelo ainda vigente é o que preza pelo aterramento dos
resíduos sólidos e pelo desperdício de matéria-prima. Este modelo é responsável
pelo esgotamento rápido dos aterros sanitários e por contribuir para agravar os
impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública pelo uso alargado de
lixões e aterros controlados, que são métodos de disposição dos resíduos
sólidos inadequados no solo e sem a proteção devida. Por isso, é preciso dar um
basta nesta situação e progredirmos para outra realidade.
IHU
On-Line - A partir do atual modelo de gestão, o que é possível
vislumbrar em termos de futuro acerca dos resíduos sólidos no país?
Ednilson
Viana - Eu volto a dizer o que disse no jornal El País: os resíduos sólidos, se
forem geridos da forma como estão sendo, podem conduzir a uma situação crítica
no futuro por diversas razões. As áreas para implantação de aterros sanitários
(método de disposição no solo adequado) estão ficando cada vez mais raras e
distantes dos centros urbanos, especialmente os grandes centros urbanos e as
megacidades. Desta forma, os resíduos poderão viajar centenas de quilômetros
para serem dispostos no solo, o que encarece toda a cadeia de coleta e
transporte e, consequentemente, uma elevação nas taxas a serem cobradas para
geri-los. Veja que não ter onde colocar os resíduos ou enviá-los para longe é
uma situação crítica.
Se o
custo é um fator importante nesta dinâmica de cuidados com os resíduos,
elevadas taxas podem colocar em risco determinados desenhos de gestão e a
capacidade de determinados municípios em lidar com a questão. O descarte de
resíduos sólidos de forma clandestina ou mesmo de forma inapropriada pode se
intensificar.
Um
exemplo de descaso e falta de consciência de toda a população com os resíduos
sólidos são aqueles resíduos descartados no ambiente marinho, que hoje estão se
acumulando em pontos de confluência das correntes marítimas nos oceanos dos
cinco continentes e gerando degradação ambiental em áreas de preservação
permanente e uma situação crítica à navegação nestes locais.
Além
disso, o baixo índice de aproveitamento dos resíduos sólidos urbanos, como pode
ser visto pelos dados do Ministério das Cidades através do Sistema de Informação
em Saneamento - SNIS de 2013 e da Abrelpe, do mesmo ano, demonstra que teremos
muitos resíduos sendo produzidos com muito pouco aproveitamento, levando — como
eu já disse na questão anterior — ao esgotamento rápido dos aterros sanitários
e a uma demanda cada vez maior por áreas adequadas a estes métodos, que já são
escassas.
Será
que precisamos deixar a situação chegar ao quase extremo para estabelecer as
condutas eficazes?
“As
áreas para implantação de aterros sanitários estão ficando cada vez mais raras
e distantes dos centros urbanos, especialmente os grandes centros urbanos e as
megacidades”
IHU
On-Line - Que lacunas percebe no debate acerca dos resíduos sólidos e
da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS no país?
Ednilson
Viana - Há acertos e equívocos. É assertivo exigir das fontes geradoras os
planos de gestão ou planos de gerenciamento para buscar o desvio dos resíduos
dos aterros sanitários. Por outro lado, há equívocos como a falta de cobrança
rigorosa dos planos e de cobrança de planos que tenham qualidade. Lembro ainda
que a cobrança deve se estender a implementação e acompanhamento dos planos ao
longo dos anos.
Outro
ponto que quero destacar é sobre a responsabilidade compartilhada pela gestão
dos resíduos sólidos entre fabricantes, importadores, comerciantes e consumidor
(logística reversa). A experiência internacional mostra claramente que a
responsabilidade deve ser estendida ao produtor, onde o fabricante, por
exemplo, tem a responsabilidade de cuidar dos resíduos gerados a partir do
momento em que lança um produto no mercado. É claro que ele vai cobrar do
consumidor a conta, mas, por outro lado, se garante a gestão adequada destes
resíduos no seu fluxo, não provocando “nós” como vemos hoje para diversos
setores no Brasil. Por exemplo, pensando na Logística reversa versus a
responsabilidade compartilhada dos resíduos no Brasil, há embalagens que são
constituídas por diversos materiais, provenientes de diversas fontes geradoras.
Neste
caso, todos se perguntam: como conduzir cada um dos componentes daquela
embalagem ou resíduo para os seus respectivos fabricantes? Há casos como o de
medicamentos em que o consumidor teria que comprovar a compra do medicamento em
uma determinada farmácia para poder descartar ali os resíduos gerados pelo
medicamento adquirido. A farmácia, por sua vez, tem que identificar os
laboratórios fabricantes (se for um medicamento) e separar as embalagens para
serem conduzidas para os fabricantes. Já imaginou quantos laboratórios
farmacêuticos existem e como seria esta dinâmica e logística de retorno da
embalagem pela farmácia? Temos que encarar as dificuldades de frente e não
ficar tentando “desnovelar” o que não tem como ser feito. Precisamos avançar a
passos largos e partir para o que é funcional de fato.
IHU On-Line
- Quais são as dificuldades de pôr em prática a Lei Nacional de Resíduos
Sólidos?
Ednilson
Viana - São várias. Há questões naturais ao processo e questões de comodismo,
mas a principal, em minha opinião, é uma postura de maior rigor na fiscalização
para fazer valer a lei e os seus princípios básicos. O Ministério Público tem
papel fundamental neste caso. Só a cobrança rigorosa sobre a elaboração e
implementação dos planos de gestão municipais e planos de gerenciamento, todos
sob a ótica da qualidade, elevariam muito a nossa velocidade na direção de uma
gestão dos resíduos sólidos mais digna de um país tão promissor quanto o
Brasil.
É
preciso respeitar a hierarquia de resíduos prevista na lei e que é muito certa,
promover mecanismos de incentivos às cooperativas de catadores e diversos
outros mecanismos importantes, introduzir tecnologias no processo de gestão e,
ainda, estabelecer regras que sejam cumpridas de fato. É preciso avançar na
gestão dos resíduos sólidos, sem desculpas ou ficar “empurrando com a barriga”
uma questão tão importante.
Outra
questão importante é que o nosso modelo de gestão tem como unidade de gestão o
próprio município, na sua grande maioria. É preciso formar agrupamento de
municípios para uma gestão mais adequada e menos custosa. Os consórcios têm
atuado neste sentido, mas eles têm dificuldades de funcionamento por diversas
questões, deixando a dúvida se o modelo de consórcio que temos hoje é o mais
adequado para este agrupamento dos municípios. É preciso fazer o agrupamento de
todos os municípios como regra única e através de critérios eficientes,
democráticos, mas sérios. Há na Europa agrupamentos que envolvem mais de 20
municípios, chamados de sistemas, o que facilita inclusive a construção de
bancos de dados confiáveis sobre os resíduos sólidos e procedimentos padrão
para a caracterização dos resíduos, por exemplo. Este agrupamento no Brasil eu
vejo como fundamental e deve ser alvo de muitas discussões no campo da gestão
dos resíduos sólidos e especialmente da política nacional, talvez na sua
revisão ou complementaridade.
“É preciso rigor na cobrança e rigor nos procedimentos
de gestão, criando uma nova cultura na área”
IHU
On-Line - Por quais razões os municípios não conseguiram entregar seus
planos de gestão para o lixo? De outro lado, por que as cidades não conseguiram
acabar com os lixões?
Ednilson
Viana - Se houver uma cobrança rigorosa com relação aos planos, eles
acontecerão. E não basta apenas ter um plano, é preciso elaborar planos com
qualidade e cobrar a sua implementação e fiscalizar com rigor o seu andamento.
Há e houve diversas fontes de recursos, além de prazo o suficiente para a sua
elaboração, assim como a erradicação dos lixões nos municípios. Se deixarmos
tudo acontecer em um processo moroso, todos sairemos perdendo e é preciso agir
já, de imediato. Não é prorrogando prazos que se vai obter a desejada gestão
dos resíduos sólidos. É preciso rigor na cobrança e rigor nos procedimentos de
gestão, criando uma nova cultura na área.
IHU
On-Line - Recentemente o senhor fez uma comparação da crise hídrica com
uma possível crise dos resíduos sólidos. O que vislumbra em termos de crises
futuras?
Ednilson
Viana - A minha intenção não foi ser sensacionalista e muito menos alardear
tragédias. Esta comparação é no sentido de que se não dermos ouvidos aos
desafios que temos hoje postos na gestão dos resíduos sólidos, eles podem se
agravar no futuro. É como uma doença (sentido de um mal físico): se não for
tratada logo de início, pode levar a uma situação crítica e comprometedora no
futuro. Isto foi o caso da crise hídrica e pode ser um comparativo para a
questão dos resíduos sólidos. Quando se observa que aproximadamente 96% dos
resíduos sólidos urbanos são encaminhados para aterros sanitários, que uma
grande quantidade de métodos inadequados é utilizada (lixões e aterros
sanitários), que convivemos com um aumento na produção de resíduos, com uma
responsabilidade compartilhada pelos resíduos, dentre outros fatores, é fácil
concluir que no futuro, se continuarmos assim, não teremos mais espaço para
colocar tantos resíduos e teremos os problemas agravados pela disposição inadequada.
IHU
On-Line - Em que consistiria uma gestão sustentável dos resíduos
sólidos no Brasil? O que é possível fazer considerando o contexto brasileiro?
Ednilson
Viana - O conceito de gestão sustentável remete à ideia de visão dos resíduos
como matéria-prima e a qualidade do produto final obtido no processo de
aproveitamento destes. Portanto, este conceito indica o aproveitamento máximo
dos resíduos sólidos, gerando produtos de qualidade e não mais um resíduo. Além
disso, se analisarmos o fluxo dos resíduos, no final não restaria nada ou quase
nada de resíduos sólidos para ser disposto nos aterros. Este pouco resíduo que
restaria pode ser denominado de rejeito, porque não se tem mais o que fazer com
ele.
Neste
conceito de gestão sustentável foi citado um elemento importante que é a
qualidade do produto final. Isto significa, por exemplo, que não basta apenas
fazer a coleta seletiva dos materiais recicláveis. É preciso ter qualidade de
separação na fonte geradora para que se tenha um produto final de boa qualidade
no final do processo de reciclagem. Se fizermos uma coleta seletiva dos
resíduos orgânicos, como um exemplo mais preciso nesta minha colocação, é
preciso que estes resíduos tenham uma separação adequada na fonte geradora para
não vir misturados com outros componentes como vidro, pilhas etc, que
comprometeriam o produto final da valorização destes resíduos. Eu quero dizer
que o composto advindo desse tipo de separação dos resíduos orgânicos sem
qualidade poderá produzir um composto que apresenta em sua composição metais
pesados e outros componentes indesejados, reduzindo a sua qualidade enquanto
produto final e produzindo mais um resíduo, e não um produto que possa ser
utilizado sem receios na agricultura. Isto é muito discutido na Europa como o fim
do Estatuto dos Resíduos e deve ser incorporado ao conceito de gestão
sustentável dos resíduos sólidos no Brasil.
Por
isso, não basta a gestão dos resíduos sólidos ser integrada. Ela precisa ser
sustentável, envolvendo o conceito de integração entre as etapas do fluxo dos
resíduos e ainda os aspectos ambientais, sociais, políticos, econômicos etc,
associados à qualidade do produto final.
Pensando
no Brasil, um grande passo é seguir com seriedade, rigor e clareza a hierarquia
dos resíduos. Esta hierarquia, que está na PNRS, diz acertadamente o seguinte e
nesta sequência:
a) evitar a produção de resíduos sólidos;
b) aproveitar o
máximo possível os resíduos sólidos gerados;
c) tratamento térmico se não forem
possíveis as etapas anteriores;
d) aterros sanitários como última alternativa.
“O composto advindo desse tipo de separação dos
resíduos orgânicos sem qualidade poderá produzir um composto que apresenta em
sua composição metais pesados e outros componentes indesejados”
Evitar
a produção de resíduos sólidos na fonte geradora é uma atitude primordial e
veiculada por profissionais ou interessados na área bem antes da formulação da
PNRS. Este comportamento é importante porque ao não produzir um resíduo sólido
— e é bem óbvio o que vou dizer —, evita-se a coleta, transporte, tratamento e
destinação final deste resíduo que seria produzido, além de, logicamente,
custos e extração de matéria-prima.
O
aproveitamento dos resíduos sólidos se refere a todos os mecanismos e
tecnologias que possibilitem a reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos.
Já o tratamento térmico — e aqui me refiro à valorização energética — deveria
ser utilizado caso não fosse possível encaminhar estes para a reutilização ou
reciclagem. Há países na Europa que encaminham apenas 1% dos resíduos que
produzem para os aterros sanitários graças à valorização energética, mas ela
deve ser utilizada com ponderação e não com hipocrisia, queimando as etapas
anteriores.
Por
fim, se não foi possível desviar os resíduos sólidos em nenhuma das etapas
anteriores, deve-se então encaminhá-los para os aterros sanitários, pois ali
serão aterrados e monitorados por mais de 30 anos após o seu fechamento.
No
contexto brasileiro, a gestão sustentável dos resíduos deve ser incorporada aos
preceitos da nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos e induzir, em conjunto
com ela, a mudança do nosso modelo de gestão de aterramento e desperdício para
um modelo que preze pela redução e aproveitamento dos resíduos sólidos. Deve-se
ainda evitar equívocos que outros países cometeram ao longo da sua trajetória.
Vale lembrar que uma sociedade do desperdício requer a necessidade de
mecanismos de sustentabilidade na condução da vida urbana frente aos
inexpressivos números de valorização dos resíduos sólidos em nosso país hoje.
(ecodebate)


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