Estudo
revela que partículas de poluição emitidas pelas cidades intensificam as chuvas
na Amazônia.
Partículas
ultrafinas de aerossol intensificam as chuvas na Amazônia
Um
estudo divulgado no dia 25 de janeiro na revista Science revelou como a presença atmosférica de partículas ultrafinas de
aerossol – aquelas com diâmetro menor do que 50 nanômetros (ou bilionésimos de
metro) – pode intensificar o processo de formação de nuvens e também as chuvas
que caem sobre a região amazônica.
De
acordo com os autores do artigo, sempre se acreditou que essas nanopartículas
tinham papel desprezível na regulação do ciclo hidrológico – o que, de fato, é
verdade em regiões continentais poluídas, como as cidades europeias,
norte-americanas ou mesmo São Paulo. Na Amazônia, porém, seu papel é diferente.
“A
descoberta permite compreender melhor como a poluição urbana afeta os processos
relacionados à formação de tempestades convectivas na Amazônia e deve aumentar
a acuidade dos modelos climáticos e de previsão do tempo”, disse Luiz Augusto
Toledo Machado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
e coautor do estudo.
A
investigação teve início em 2014 e foi conduzida no âmbito da campanha
científica Green Ocean Amazon (GOAmazon).
O
apoio da FAPESP ao trabalho agora publicado se deu por meio de três projetos –
um coordenado por Henrique de Melo Jorge Barbosa, professor do Instituto de
Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), outro por Paulo Artaxo, também do IF-USP, e o terceiro por Machado.
Como
explicou Barbosa, os dados usados no artigo foram coletados durante a estação
chuvosa de 2014 – entre os meses de março e abril –, período em que a Amazônia
está livre das queimadas e, portanto, em que a única fonte de poluição
relevante é a cidade de Manaus.
“Manaus
é uma cidade com cerca de 2 milhões de habitantes, mais de 500 mil veículos e
abastecida por termelétricas. É, portanto, uma grande fonte poluidora cercada
de floresta pristina. Nosso principal sítio experimental foi instalado em
Manacapuru – cidade situada a 80 quilômetros da capital amazônica e que,
alternadamente, recebe a pluma de poluição carregada pelos ventos alísios e
também ar limpo da floresta”, disse Barbosa.
Com
o auxílio de instrumentos capazes de medir a concentração de aerossóis na
atmosfera e calcular o tamanho das partículas, bem como o de radares que medem
o tamanho das gotículas de nuvem, a quantidade de chuva e a velocidade com que
o vapor é levado da superfície terrestre para a nuvem, o grupo comparou como
ocorria o processo de convecção (movimento vertical dos gases causado pela
transferência de calor) e de formação de nuvens quando a pluma de Manaus estava
ou não presente sobre Manacapuru.
“As
partículas de aerossol são essenciais no processo de formação de nuvens porque
são elas que oferecem uma superfície para o vapor d’água se condensar. As
gotículas formadas pela condensação são pequenas, mas elas acabam colidindo
umas com as outras e, assim, crescendo. As gotas aumentam de tamanho e, quando
ficam pesadas o suficiente, precipitam”, explicou Barbosa.
Normalmente, apenas as partículas maiores do que 50 nanômetros atuam como núcleos de condensação de nuvens (CCN, na sigla em inglês). Segundo os pesquisadores, é mais fácil para o vapor se condensar nas partículas grandes por ser menor a menor tensão superficial, a força de atração entre as moléculas de água que permite aos mosquitos pousar na superfície de um lago.
Pesquisadores usaram instrumentos capazes de medir a concentração de aerossóis na atmosfera e calcular o tamanho das partículas.
Normalmente, apenas as partículas maiores do que 50 nanômetros atuam como núcleos de condensação de nuvens (CCN, na sigla em inglês). Segundo os pesquisadores, é mais fácil para o vapor se condensar nas partículas grandes por ser menor a menor tensão superficial, a força de atração entre as moléculas de água que permite aos mosquitos pousar na superfície de um lago.
Pesquisadores usaram instrumentos capazes de medir a concentração de aerossóis na atmosfera e calcular o tamanho das partículas.
“Em
cidades mais poluídas, ou na época seca na Amazônia, há muitas partículas na
atmosfera e, portanto, existe uma forte competição pelo vapor d’água que emana
da superfície terrestre. Portanto, a população de gotículas que se forma tem
maior número e menor tamanho do que teria se não houvesse poluição. Assim, ela
demora mais tempo até crescer o suficiente para chover”, explicou Machado.
Por
esse motivo, acrescentou o pesquisador, a nuvem acaba se desenvolvendo muito no
sentido vertical e, como a parte de cima é mais fria, ocorre a formação de
gelo. “A intensa formação de gelo favorece o desenvolvimento de tempestades, ou
seja, de nuvens intensas com raios”, disse.
O
processo descrito pelo pesquisador é conhecido pelos especialistas em clima
como cloud invigoration,
algo como intensificação da nuvem. O trabalho publicado na Science revelou que na região
amazônica as nanopartículas também podem influenciar nesse processo, o que era
desconhecido.
Como
na floresta tropical a umidade relativa e a temperatura do ar são muito altas,
e como há poucas partículas grandes na atmosfera no período chuvoso, o vapor em
excesso acaba se condensando também nas nanopartículas e o processo de cloud invigoration ocorre na
parte baixa da nuvem, onde a água está no estado líquido. Esse processo de formação
de gotas de chuva libera calor latente que acelera o movimento vertical do ar,
aumentando a intensidade da tempestade.
“Para
se ter uma ideia, a velocidade do vento dobrava quando havia muitas
nanopartículas na atmosfera”, disse Rodrigo Souza, professor da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA) que também participou do estudo.
Trabalhos
de modelagem foram feitos pelo grupo para confirmar a hipótese levantada com
base nos dados atmosféricos coletados. O modelo atmosférico usado foi o Weather
Research and Forecasting (WRF), um programa de última geração, mas que falhava em representar alguns
aspectos importantes do ciclo hidrológico da Amazônia por ter sido desenvolvido
com base em observações do hemisfério Norte.
“Foi
preciso adaptar o modelo para a nossa região”, disse o professor Helber Gomes,
da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Preenchendo
lacunas
“Nunca
entendemos como podem ocorrer aguaceiros tão frequentes na Amazônia se a região
tem tão poucos núcleos de condensação de nuvens – algo na ordem de 300 ou 350
partículas por centímetro cúbico [São
Paulo, por exemplo, chega a ter de 10 mil a 20 mil]. Mas é porque nunca
havíamos considerado o papel dessas partículas ultrafinas de aerossol”,
comentou Artaxo, coautor do artigo.
De
acordo com o pesquisador, a descoberta mostra que os cientistas que estudam as
regiões tropicais não devem se basear apenas em conceitos desenvolvidos em
países de clima temperado. “Precisamos olhar para as particularidades da
Amazônia. É possível que no passado, quando a atmosfera global ainda não estava
poluída pelas emissões humanas, esse fenômeno de intensificação de tempestades
também ocorresse em outras regiões do planeta. Mas não sabemos ao certo e
precisamos aprofundar as investigações”, disse Artaxo.
Na
avaliação de Machado, os achados deverão alterar não apenas os modelos
climáticos como também o modo como teorias são formuladas e dados atmosféricos
são coletados.
“Agora
que foi mostrada a importância das nanopartículas no processo de intensificação
da chuva nunca mais vamos estudar as nuvens da mesma maneira. Isso modifica a
forma de pensar todo o processo”, comentou.
O grupo ainda pretende trabalhar em novos dados e modelos para investigar até que ponto as conclusões válidas para a Amazônia podem ser extrapoladas para outras regiões do globo. “Sabemos que é preciso uma energia brutal para levar todo esse vapor d’água para 12 a 14 quilômetros de altura. Essa energia vem do sol e está disponível na Amazônia”, disse Artaxo.
Partículas de aerossol são essenciais no processo de formação de nuvens.
O grupo ainda pretende trabalhar em novos dados e modelos para investigar até que ponto as conclusões válidas para a Amazônia podem ser extrapoladas para outras regiões do globo. “Sabemos que é preciso uma energia brutal para levar todo esse vapor d’água para 12 a 14 quilômetros de altura. Essa energia vem do sol e está disponível na Amazônia”, disse Artaxo.
Partículas de aerossol são essenciais no processo de formação de nuvens.
O
trabalho de coleta e análise dos dados contou com a participação de cientistas
do Brasil, Estados Unidos, Israel, China e Alemanha. Parte das medidas foi
feita com o avião americano Gulfstream-1 (G1), pertencente ao Pacific Northwest
Laboratory (PNNL).
Também
apoiaram a campanha GOAmazon a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Amazonas (Fapeam) e o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE, na sigla
em inglês), além de outros parceiros.
Realizado
em 2014 e 2015, o experimento teve entre seus objetivos investigar o efeito da
poluição urbana de Manaus sobre as nuvens amazônicas e avançar no conhecimento
sobre os processos de formação de chuva e a dinâmica da interação entre a
biosfera amazônica e a atmosfera. Com base nos achados, os pesquisadores
pretendem estimar mudanças futuras no balanço radiativo, na distribuição de
energia, no clima regional e seus impactos para o clima global (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/18691). (ecodebate)
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