Um dia parou de chover: como
o Saara foi de mata com rios e gente a deserto.
Um
dos maiores desertos do planeta, o Saara já teve mata, árvores, rios, animais e
até gente morando. Mas, gradualmente, a chuva foi se tornando cada vez mais
rara, até que a área se tornou completamente árida.
O
período "verde" do deserto africano durou cerca de 5.000 anos - o
que, apesar de parecer muito, para a escala global é considerado um intervalo
curto. Foi, na verdade, um hiato: os cientistas estimam que a área era
desértica antes e viu as chuvas chegarem há 10.500 anos, para novamente
desaparecer 5.500 anos atrás.
Por
meio da análise de restos humanos e de animais encontrados em mais de 150
sítios arqueológicos, o geólogo e climatologista Stefan Kröpelin, da
Universidade de Colônia, na Alemanha, concluiu que a região que hoje é um
gigante banco de areia abrigou assentamentos humanos bem estruturados, com
criação de cabras e ovelhas.
No
setor egípcio do deserto, com as chuvas, o que era aridez se transformou em
semiárido. Gramíneas e arbustos começaram a dominar a paisagem. Pequenos lagos
se formaram atraindo animais como girafas. Mais ao sul, na região onde hoje
fica o Sudão, o clima era ainda mais convidativo à vida, com árvores, grandes
rios e animais como "elefantes, rinocerontes, crocodilos e mais de 30
espécies de peixes", enumerou o pesquisador no estudo publicado em 2006.
O
Saara nunca chegou a ser uma floresta densa, mas chegou a ter áreas de savanas
comparáveis, por exemplo, com o cerrado brasileiro.
Por que começou a chover?
A
transição do clima árido para o chuvoso no Saara deveu-se sobretudo a mudanças
naturais no movimento do planeta.
"A
ciência estabeleceu que a principal causa destas transições tem a ver, em
primeiro lugar, com parâmetros orbitais da Terra e diferenças de insolação do
Hemisfério Norte e Hemisfério Sul", disse ao UOL Carlos Nobre, climatologista do Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
Com
mais chuva, chegou mais vegetação, que por sua vez protegeu o deserto da
insolação e manteve as chuvas por mais tempo, sugere outro estudo, realizado
pelo físico William Boos, da Universidade Yale, e pelo físico e cientista
ambiental Robert Korty, da Universidade Texas A&M, também nos Estados
Unidos.
E por que parou?
Os
cientistas ainda procuram respostas para entender por que a chuva que havia
chegado ao Saara foi embora. Acredita-se, novamente, ter havido uma combinação
de fatores, incluindo a ação humana.
"No
caso do Saara, essas transições são principalmente ocasionadas por variações
naturais. Porém a rápida transição 5 mil anos atrás pode ter tido algum
elemento de ação humana, ainda que de populações nômades pré-históricas de
baixa densidade de pessoas", diz o pesquisador
"Há
sugestões de que excesso de pastoreio pelas populações pré-históricas pode ter
contribuído para a redução da vegetação", completa.
Deserto do Saara é o terceiro maior do planeta,
após as áreas secas dos polos norte e sul.
São Paulo pode virar um 'Saara'?
Diante
da estiagem prolongada vivida no Sudeste, a pergunta é natural. E os
pesquisadores dizem que, apesar de preocupante, o cenário não indica um
processo de desertificação em São Paulo.
"Nos
cenários do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o
que se projeta é que as chuvas no sul e parte do sul do Sudeste não iriam
diminuir, podendo ter até um pequeno aumento", diz Carlos Nobre.
"Aumento
de chuvas, entretanto, não significa mais água disponível, pois com o grande
aumento de temperatura projetado, aumenta também a perda por evaporação. Então,
nesse sentido, deve haver, sim, preocupação com questões de abastecimento para
a megametrópole", projeta.
O
aumento das chuvas deve se alternar com períodos de longa estiagem.
"Há que se preparar para este cenário", diz Nobre.
Os cenários de
aquecimento global indicam um aumento da frequência e da intensidade dos
extremos
Carlos Nobre,
climatologista da USP
Alerta para a Amazônia e para o Nordeste
Se
São Paulo não deve virar deserto, o território brasileiro tem duas regiões que,
segundo o pesquisador, despertam preocupação.
"A
maioria dos estudos encontra que uma maior parte da Amazônia poderia perder as
florestas devido a três fatores: desmatamento, aquecimento global e incêndios
florestais. E em casos extremos de aquecimento global, há cenários que indicam
que o semiárido do Nordeste se expandiria para oeste atingido praticamente todo
o Maranhão", diz o pesquisador.
Com
o agravamento do aquecimento global, aliás, "o semiárido do Nordeste
poderia, sim, tornar-se em um semideserto, com chuvas anuais inferiores a
0,5 metro", diz.
Um
estudo recém-divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostra que, entre 2013 e 2017, 48,6% dos 5.570 municípios brasileiros
enfrentaram seca.
Segundo
cientistas europeus, há cerca de 130 mil anos, o Deserto do Saara era úmido e
chuvoso, sendo cortado por três grandes sistemas de rios.
Em
relatório consolidado com dados até o fim de junho, o governo federal
reconhecia problemas decorrentes de estiagem em 184 cidades, sob estado de
emergência, nos estados do Pará, Goiás, Ceará, Paraíba, Piauí, Bahia e Minas
Gerais. (jornalfloripa)
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