Nós
comemos e respiramos microplásticos diariamente. Mesmo parecendo absurdo, isto
já é comprovado cientificamente e revela os bastidores da relação de produção,
consumo e descarte. Apesar de minúsculos e microscópicos, estes fragmentos
menores que cinco milímetros são muito mais impactantes do que possamos
imaginar, pois são encontrados em abundância no planeta, devido principalmente
ao despejo inadvertido de resíduos no meio ambiente terrestre, em água doce e
nos oceanos e por não serem também retidos em estações de tratamento de esgoto,
devido à sua estrutura fina. Para completar este ciclo de comprometimentos, têm
efeitos cumulativos no organismo de seres vivos. Por tudo isso, têm se tornado
um dos principais objetos de pesquisas científicas na atualidade. Um dos
desafios maiores: saber qual é a dimensão do seu real impacto e mecanismos
eficientes de mitigação (redução de danos).
Relatos
científicos a respeito dos microplásticos já datam dos anos 1970 e o termo
começou a ser utilizado com frequência, a partir de 2004, como é destacado no
artigo “Microplásticos: contaminantes de Preocupação Global no Antropoceno”, de
autoria dos especialistas Glaucia P. Olivatto; Renato Carreira; Valdemar Luiz
Tornisielo e Cassiana C. Montagner , publicado em dezembro de 2018, na Revista
Virtual de Química . O trabalho também tem um levantamento detalhado sobre
pesquisas realizadas no Brasil.
Internacionalmente,
um dos estudos mais recentes a respeito foi divulgado por pesquisadores da
Universidade de Victoria/British Columbia, em 2019, na publicação Environmental
Science and Technology. O dado é, de fato,
estarrecedor: nós, seres humanos, chegamos a ingerir de 39 mil a 52 mil
partículas de microplásticos anualmente. Este número sobe de forma
significativa, se também for considerada a inalação devido à poluição do ar.
Neste caso, chega entre 74 mil e 121 mil. O levantamento foi feito em 3.600
amostras, com foco na dieta americana.
No
ano passado, cientistas da Universidade de Viena já haviam alertado também
sobre a presença de nove tipos de microplásticos encontrados nos intestinos de
oito cidadãos de oito países (Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia,
Rússia, Reino Unido e Áustria), que ingeriram peixe. Segundo eles, existe o
risco de que os componentes possam afetar o trato do gastrointestinal humano e
estudos neste sentido já estão sendo feitos no mundo. Mas já é constatado em
animais, é que o microplástico pode atingir a corrente sanguínea, o sistema
linfático e seguir ao fígado, além de causar danos intestinais e estresse
hepático, conforme informou o médico Philipp Schwabl, líder do estudo, à BBC
News Brasil, neste ano.
No
Brasil, em diferentes pesquisas, já foram encontradas estas partículas em
sedimentos arenosos e no estômago de exemplares da fauna marinha no Sul,
Sudeste e Nordeste e de rios do Pantanal e da Amazônia, entre outras
localidades. Um dos pontos de alerta que estão sendo estudados é quanto à
relação com poluentes orgânicos persistentes (POPs).
Mais
uma das preocupações quanto ao perigo de toxidade apontado por cientistas é a
presença de aditivos químicos. Entre eles, o ftalato, utilizado pela indústria
química, que pode ocasionar comprometimento no sistema endócrino, e o polêmico
bisfenol-A.
Do
que estas partículas diminutas são compostas? A matéria-prima da maior parte
dos plásticos é o combustível fóssil. Estamos falando de petróleo, que ao ser
refinado, se transforma em nafta, que depois sofre mais um processo industrial
para virar eteno. Aí a chamada indústria de segunda geração transforma o eteno
em resinas poliméricas e a de terceira geração, conhecida como transformadoras
de plástico, molda e confecciona os utensílios. Os microplásticos podem ser
primários, quando já são produzidos de forma reduzida para a fabricação de
determinados produtos. Neste caso, se chamam “pellets”. E o secundário é
originado da fragmentação de artefatos plásticos maiores.
E
afinal, onde são encontrados? Em praticamente tudo. Pense e lá está ele: na
água que consumimos (incluindo a engarrafada) e em diferentes alimentos, no
sal, no açúcar, como no organismo de peixes e outras centenas de espécies
marinhas e de água doce, em embalagens plásticas, em certos tipos de tecidos
sintéticos, e de itens de higiene, como espoliantes e pastas de dente, em
tintas, pneus e até no glitter que usamos no Carnaval. E um detalhe que deve
ser considerado – os plásticos com maior volume se transformam nestas
partículas mínimas com o passar do tempo (décadas, séculos), por meio da
decomposição.
Segundo
a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP-Piracicaba), Glaucia Olivatto,
no Reino Unido, por exemplo, já foi proibido o uso de microplásticos em cosméticos.
Já no Brasil, está em tramitação no Congresso, o Projeto de Lei (PL 6528/2016),
que tem por finalidade proibir a manipulação, fabricação, importação e
comercialização, em todo o território nacional, de produtos de higiene pessoal,
cosméticos e perfumaria que contenham a adição intencional de microesferas
plásticas.
Oceanos
e rios de microplásticos
O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), no ano de 2017,
divulgou que nossos mares têm mais de 51 trilhões de partículas de
microplásticos, ao mesmo tempo, que lançou à época, a Campanha Clean Seas ou
Mares Limpos (de plásticos, em geral), em português. Este número exorbitante
supera o de estrelas na galáxia, segundo o comunicado, e havia sido levantado
por pesquisadores do Imperial College de London e de outros países, em 2015.
Este é um dos problemas que afetam o ecossistema marinho, que levou a
Organização das Nações Unidas a instituir a Década Internacional da
Oceanografia para o Desenvolvimento Sustentável – a Década dos Oceanos (2021-2030).
A
FAO lançou em 2017 o relatório “Microplásticos na Pesca e na Aquicultura”, no
qual aponta o alerta para a segurança alimentar. O documento alerta sobre as
inúmeras pesquisas que já identificaram estas partículas em peixes nos oceanos
Atlântico, Índico e Pacífico e no Mar Mediterrâneo.
Em
2018, a Feira Internacional para a Gestão da Água, Esgoto, Lixo e Resíduos teve
com um dos temas debatidos, o microplástico. O evento reuniu 168 países. Estas iniciativas
demonstram a relevância do tema mundialmente.
Exemplos
do Brasil
Aqui,
no Brasil, mais uma descoberta anunciada recentemente gera apreensão.
Pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ)
identificaram que na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, há uma das maiores
quantidades de microplásticos já encontradas no mundo, originadas
principalmente de atividades marítimas, desde portos a cruzeiros. Em mais uma
baía, desta vez, a de Monterey (ecossistema marinho banhado pela corrente da
Califórnia, entre a costa da Colúmbia Britânica, no Canadá, até o litoral do
estado mexicano da Baja Califórnia) foram descobertas grandes quantidades
dessas partículas. A pesquisa foi feita por cientistas do Instituto de
Pesquisas do Aquário da Baía de Monterey, nos EUA, e publicada na Revista
Scientific Reports.
Nem
as áreas mais remotas da Amazônia brasileira escapam. Pesquisadores da
Universidade Federal do Pará (UFPA) encontraram microplásticos em diferentes
espécies de peixes, como pacus, na região xinguana. Ao todo, foram analisados
172 peixes ao longo de 300 quilômetros. Mais uma etapa da pesquisa acontece
agora na região de Belém. Em águas do Pantanal também foram identificados por
pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Mudanças
de paradigmas
O
que é possível avaliar diante de todos estes estudos é que existe a necessidade
urgente de investimento em pessoas (capital humano) e tecnologias limpas e
sobre os componentes dos microplásticos em relação à saúde ambiental, que
impulsionem produtos plásticos biodegradáveis, além de regras mais rígidas no
setor e fiscalização pelo poder público.
Valorizar
iniciativas como a da estudante gaúcha Juliana Estradioto, 18 anos, que foi a
vencedora do Prêmio Jovem Cientista promovido pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), neste ano. Seu projeto é de um
plástico para embalagens oriundas da casca do maracujá, que se degrada em 20
dias. A jovem também foi reconhecida internacionalmente por criar uma membrana
biodegradável de resíduos da casca de noz de macadâmia, para ser utilizada em
curativos ou em embalagens. Ela foi uma foi uma das vencedoras na área de
Ciência dos Materiais da International Science and Engineering Fair (Intel
Isef), um dos mais respeitados eventos de ciências mundiais.
E
acima de tudo, de mudança de hábito de consumo e prática da educação cidadã na
nossa sociedade. Os microplásticos não chegam sozinhos a todos esses destinos
e, inclusive, ao nosso corpo, não é? Além do descarte, no processo de produção,
grande parte do que encontramos por aí, é resultado do próprio descarte
realizado pela sociedade.
Há
um gap da gestão pública também no tocante à coleta seletiva, que ainda é
ínfima na proporção continental do país, estima-se que apenas 1% dos 11 milhões
de toneladas de material plástico pós-consumo, de acordo com o relatório
“Solucionar a Poluição Plástica – Transparência e Responsabilização, lançado
pelo WWF – Brasil. Enquanto a média global é de 9%.
Como
diz um trecho da música de Ivan Lins e Vitor Martins – “Depende de nós, quem já
foi ou ainda é criança, que acredita ou tem esperança, quem faz tudo pra um
mundo melhor…”. Uma pauta que deve começar a ser refletida desde a infância…
(ecodebate)
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