IPCC aponta que agricultura e
usos do solo representam 23% das emissões de gases do efeito estufa.
Novo relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que mudanças no uso
do solo são necessárias para limitar o aquecimento global a
2ºC, conforme previsto pelo Acordo de Paris.
Atualmente, a agricultura, a
silvicultura e outros tipos de uso do solo representam 23% das emissões humanas
de gases do efeito estufa.
Ao mesmo tempo, a publicação
alerta que as mudanças climáticas poderão agravar a degradação do solo no
mundo, comprometendo a produção e a oferta de alimentos.
Solo ressecado próximo ao rio Nilo
Branco, em Cartum, no Sudão.
O solo já está sob uma
crescente pressão humana e as mudanças climáticas estão
se somando a essas pressões. Ao mesmo tempo, manter o aquecimento global bem
abaixo dos 2º C é uma meta que só poderá ser alcançada por meio da redução de
emissões de gases do efeito estufa em todos os setores, incluindo o uso do solo
e alimentação, afirma o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climático
(IPCC) em seu mais recente relatório, divulgado em 08/08/19.
O IPCC – o organismo mundial
que avalia o estado do conhecimento científico sobre mudanças climáticas, o
impacto dessas mudanças e os potenciais riscos futuros, bem como opções
possíveis de reposta ao problema – teve o Sumário para Formuladores de
Políticas do Relatório Especial sobre Mudanças
Climáticas e Solo aprovado
pelos governos do mundo todo na quarta-feira, em Genebra, na Suíça.
O documento será uma
contribuição científica fundamental para as próximas negociações sobre clima e
meio ambiente, como a Conferência das Partes da Convenção da ONU para Combater
a Desertificação (COP14), em Nova Délhi, na Índia, em setembro; e a Conferência
da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP25), em Santiago, no
Chile, em dezembro.
“Os governos desafiaram o
IPCC a lançar o primeiro olhar abrangente em todo o sistema solo-clima. Fizemos
isso por meio de muitas contribuições de especialistas e governos de todo o
mundo. Essa é a primeira vez na história dos relatórios do IPCC que a maioria
dos autores — 53% — é de países em desenvolvimento”, disse Hoesung Lee, presidente
do IPCC.
O relatório mostra que uma
melhor gestão do solo pode contribuir com o enfrentamento das mudanças
climáticas, mas essa não é a única solução. A redução das emissões de gases do
efeito estufa em todos os setores é essencial para que o aquecimento global
seja mantido bem abaixo dos 2ºC ou até mesmo abaixo de 1,5ºC.
Em 2015, governos apoiaram a
meta do Acordo de Paris de fortalecer a resposta global às mudanças climáticas
e manter a temperatura média global bem abaixo dos 2ºC acima dos níveis pré-industriais.
A meta também prevê esforços para limitar o aumento a 1,5ºC.
O solo precisa permanecer
produtivo para sustentar a segurança alimentar conforme aumentam a população e
também os impactos negativos das mudanças climáticas sobre a vegetação. Isso
significa que existem limites à contribuição do solo para o enfrentamento das
mudanças climáticas — por exemplo, por meio do plantio de culturas energéticas
(espécies de vegetais cultivadas para a produção de energia) e por meio do
plantio de florestas. Outro desafio é o fato de que as árvores e os solos
demoram até conseguir armazenar carbono de forma efetiva.
A bioenergia precisa ser cuidadosamente gerida
para evitar tanto riscos à segurança alimentar e à biodiversidade, quanto
riscos de degradação do solo. Os resultados desejáveis vão depender de
políticas e de sistemas de governança apropriados para os contextos locais.
O solo é um recurso crítico
O relatório Mudanças Climáticas e Solo revela
que o mundo está melhor preparado para enfrentar as mudanças climáticas quando
existe um foco geral em sustentabilidade.
“O solo desempenha um papel
importante no sistema do clima”, afirma Jim Skea, copresidente do Grupo de
Trabalho III do IPCC.
“A agricultura, a
silvicultura e outros tipos de uso do solo representam 23% das emissões humanas
de gases do efeito estufa. Ao mesmo tempo, os processos naturais do solo
absorvem (um volume de) dióxido de carbono equivalente a quase um terço das
emissões de dióxido de carbono oriundas de combustíveis fósseis e da
indústria”, explica o especialista.
O relatório mostra como a
gestão sustentável dos recursos do solo pode ajudar a enfrentar as mudanças
climáticas, acrescenta Hans-Otto Pörtner, também copresidente do Grupo de
Trabalho.
“O solo já em uso poderia
alimentar o mundo num clima em (contexto de) mudanças e fornecer biomassa para
a energia renovável, mas é necessária uma ação antecipada e extensa entre
várias áreas”, afirma o pesquisador, que aponta ainda que o mesmo vale para a
conservação e a restauração de ecossistemas e da biodiversidade.
Desertificação e degradação
do solo
Quando o solo é degradado,
ele se torna menos produtivo, restringindo o que pode ser cultivado e reduzindo
a habilidade do solo de absorver carbono. Isso exacerba as mudanças climáticas,
ao passo que as mudanças climáticas, por sua vez, exacerbam a degradação do
solo de muitas maneiras diferentes.
“As escolhas que fazemos
sobre a gestão sustentável do solo podem ajudar a reduzir e, em alguns casos, a
reverter esses impactos adversos”, afirma Kiyoto Tanabe, copresidente da
Força-Tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases do Efeito Estufa.
“Num futuro com chuvas mais
intensivas, o risco de erosão do solo em terras agrícolas aumenta, e a gestão
sustentável do solo é uma forma de proteger as comunidades dos impactos
prejudiciais dessa erosão e de deslizamentos de terra. Contudo, existem limites
ao que pode ser feito, de modo que, em outros casos, a degradação pode ser
irreversível.”
Aproximadamente 500 milhões
de pessoas vivem em áreas que sofrem desertificação. Regiões áridas e zonas que
sofrem desertificação também estão mais vulneráveis às mudanças climáticas e a
eventos extremos, incluindo secas, ondas de calor e tempestades de poeira, com
uma população global crescente trazendo mais pressão para esses contextos.
O relatório estabelece opções
para enfrentar a degradação do solo e prevenir ou se adaptar às mudanças
climáticas. A publicação também analisa os impactos potenciais de diferentes
níveis de aquecimento global.
“Novos conhecimentos mostram
um aumento nos riscos (oriundos) da escassez de água em regiões áridas, de
danos por incêndio, de degradação da permafrost e da instabilidade dos sistemas alimentares,
mesmo para um aquecimento global em torno de 1,5ºC”, diz Valérie
Masson-Delmotte, copresidente do Grupo de Trabalho I do IPCC.
“Riscos muito altos
relacionados à degradação da permafrost e à instabilidade dos sistemas alimentares são
identificados com 2ºC de aquecimento global.”
Segurança alimentar
Uma ação coordenada para
enfrentar as mudanças climáticas pode, simultaneamente, melhorar o solo, a
segurança alimentar e a nutrição e ajudar a erradicar a fome. O relatório
ressalta que as mudanças climáticas estão afetando todos os quatro pilares da
segurança alimentar: disponibilidade (rendimento e produção), acesso (preços e
capacidade de obter comida), utilização (nutrição e preparo dos alimentos) e
estabilidade (rupturas na disponibilidade).
“A segurança alimentar será
cada vez mais afetada por mudanças climáticas futuras, por meio de reduções das
safras — especialmente nos trópicos —, preços maiores, uma qualidade de
nutrientes reduzida e rupturas na cadeia de produção“, aponta Priyadarshi
Shukla, copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC.
“Veremos efeitos diferentes
em países diferentes, mas haverá impactos mais drásticos em países de renda
baixa na África, Ásia, América Latina e Caribe.”
O relatório aponta que em
torno de um terço da comida produzida é perdida ou desperdiçada. As causas da
perda e do desperdício de comida variam substancialmente entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como entre regiões.
A redução da perda e do
desperdício diminuiria as emissões de gases do efeito estufa e melhoraria a
segurança alimentar.
“Algumas escolhas de dieta
exigem mais solo e água e causam mais emissões de gases que aprisionam calor do
que outras”, afirma Debra Roberts, copresidente do Grupo de Trabalho II do
IPCC.
“Dietas balanceadas, com
alimentos baseados em vegetais, como grãos alternativos, legumes, frutas e
vegetais, e alimentos de origem animal produzidos de forma sustentável, em
sistemas de baixa emissão de gases do efeito estufa, apresentam grandes
oportunidades para a adaptação às mudanças climáticas e para a limitação
delas.”
O relatório mostra que
existem meios de gerenciar os riscos e reduzir as vulnerabilidades dos solos e
dos sistemas alimentares.
A gestão de riscos pode
aprimorar a resiliência das comunidades a eventos extremos, que têm impacto nos
sistemas alimentares. Isso pode ser alcançado por meio de mudanças nas dietas
ou de ações para garantir variedade nas culturas plantadas, de modo a prevenir
a degradação do solo e a aumentar a resiliência a um clima extremo ou
inconstante.
A redução das desigualdades,
a melhoria da renda e a garantia de um acesso igualitário a comida, de modo que
algumas regiões — onde o solo não pode ser usado para o fornecimento de comida
adequada — não estejam em desvantagem, são outros meios de se adaptar aos
efeitos negativos das mudanças climáticas. Também existem métodos de gerenciar
e compartilhar os riscos. Algumas dessas estratégias já estão disponíveis, como
sistemas de alerta com antecedência.
Um foco geral em
sustentabilidade, combinado a ações antecipadas, oferece as melhores chances
para enfrentar as mudanças climáticas. Isso traria um baixo crescimento
populacional e desigualdades reduzidas, uma melhor nutrição e um menor
desperdício de comida.
Isso poderia criar um sistema
alimentar mais resiliente e disponibilizar mais terras para a produção de
bioenergia, ao mesmo tempo em que as florestas e os ecossistemas naturais são
protegidos. Contudo, sem ações precoces nessas áreas, serão necessárias mais
terras para a produção de bioenergia, o que levará a decisões desafiadoras
sobre o futuro do uso do solo e sobre segurança alimentar.
“Políticas que apoiam a
gestão sustentável do solo, garantem o fornecimento de alimento para populações
vulneráveis e mantêm o carbono na terra, ao mesmo tempo em que reduzem as
emissões de gases do efeito estufa, são importantes”, afirma Eduardo Calvo,
copresidente da Força-Tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases do Efeito
Estufa.
Respostas aos desafios do
solo e das mudanças climáticas
Políticas que estão fora das
áreas de energia e solo, como as políticas sobre transporte e meio ambiente,
também podem fazer uma diferença crítica para o enfrentamento das mudanças
climáticas. Agir antecipadamente tem um melhor custo-benefício uma vez que
evita perdas.
“Isso são coisas que já
estamos fazendo. Estamos usando tecnologias e boas práticas, mas elas precisam
ser ampliadas em escala e usadas em outros lugares adequados onde não estão
sendo usadas agora”, afirma Panmao Zhai, copresidente do Grupo de Trabalho I do
IPCC.
“Existe um potencial real
aqui, por meio de um uso do solo mais sustentável, da redução do consumo
excessivo e do desperdício de alimentos, da eliminação da derrubada e da queima
de florestas, da prevenção da colheita excessiva de madeira usada como
combustível e da redução de emissões de gases do efeito estufa, ajudando,
portanto, a enfrentar questões de mudanças climáticas associadas ao solo.”
Sobre o relatório
O nome completo do relatório é Mudanças
Climáticas e Solo, um relatório especial do IPCC sobre mudanças climáticas,
desertificação, degradação do solo, gestão sustentável do solo, segurança
alimentar e fluxos de gases do efeito estufa em ecossistemas terrestres.
A publicação foi preparada
por 107 especialistas de 52 países. A equipe de autores cita mais de 7 mil
referências no documento. Para a elaboração da pesquisa, foram considerados
28.275 comentários de revisão feitos por outros especialistas e governos.
(ecodebate)
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