Pesquisas indicam ingestão de microplásticos por
humanos.
Recolher plástico em
praias é uma das ações do Dia Mundial da Limpeza.
Aquele
canudinho ou copo plástico descartado incorretamente no ambiente
pode acabar sendo ingerido por uma pessoa em fragmentos imperceptíveis no
copo de água e até no alimento. Os chamados microplásticos vêm gerando
preocupações na comunidade científica, em parte porque pouco se sabe acerca dos
possíveis impactos na saúde humana. Este é um dos assuntos presentes em
discussões propostas por instituições ambientalistas de diversos países que
realizam neste sábado (21) o World Cleanup Day ou, simplesmente, Dia
Mundial da Limpeza, como o evento é chamado em português.
"Teremos
neste dia, em todo o mundo, mutirões para limpeza, por exemplo, do lixo local
gerado na praia: bituca de cigarro, tampa de garrafa, canudos, copos, garrafas,
sacolas plásticas", diz Jonas Leite, doutor em oceanografia e gerente no
Rio de Janeiro do Projeto Meros do Brasil, uma das iniciativas
responsáveis por organizar as ações em cidades brasileiras.
Leite
considera que as atividades na praia fomentam a conscientização, mas alerta
que, em qualquer lugar do país, quando o lixo é jogado no chão ou levado para
um lixão que não faz o tratamento correto, o resíduo vai acabar indo para os
rios e pode percorrer milhares de quilômetros até o oceano. "É o destino
final de praticamente todo o lixo que não é gerido da forma correta. Você pode
nunca ter pisado na praia, mas o seu lixo, se não for bem gerido, vai
chegar lá", disse.
Ações
O
Dia Mundial da Limpeza busca chamar a atenção e oferecer atividades de combate
ao problema global de resíduos sólidos. O impulsionamento mundial é liderado
pela Let's Do It World (LDIW), um movimento cívico global sediado na Estônia e
com alcance em 157 países. Eles criaram um mapa online que traz informações das iniciativas
espalhados pelo mundo. A proposta do evento teve como base experiências que
vinham sendo realizadas desde 2008, quando 50 mil pessoas se uniram na Estônia
para recolher lixo em todo o país.
O
movimento decidiu fixar o Dia Mundial da Limpeza sempre no terceiro
sábado de setembro. No ano passado, o Brasil registrou ações em 363
cidades. Neste ano, a expectativa é que o evento chegue a mais municípios.
Os
cariocas que quiserem participar, por exemplo, terão diversas opções nas
praias. Em Copacabana, o Instituto Aqualung e grupos de escoteiros realizarão
um mutirão de voluntários. Na Barra da Tijuca, além de iniciativas na orla,
haverá até intervenção musical: o Chegando de Surpresa, grupo formado por garis
da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), apresentará um repertório
de conscientização na Praça Soldado Geraldo da Cruz.
Projetos
socioambientais apoiados pela Petrobras planejam ações em todo o país. Um
deles, o Projeto Ilhas do Rio, vai promover uma gincana na praia da Copacabana
e premiará, com uma mochila, uma barraca de praia e um kit ecobag, as três
duplas que conseguirem coletar o maior volume de lixo. O Projeto Meros do
Brasil, que também tem o apoio da estatal, planejou uma série de iniciativas
nos nove estados onde atua. Em Niterói, na região metropolitana do Rio, Jonas
Leite vai liderar, na Praia de Itaipu, um mutirão de limpeza com oficina de
pintura corporal e pintura em desenho, jogo da memória e outras atividades.
De
acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgados no ano
passado, apenas 9% das 9 bilhões de toneladas de plásticos já produzidos no
mundo foram reciclados até hoje. Cerca de 40% dos produtos plásticos são
usados uma única vez e em seguida descartados. Anualmente, entre 8 milhões e 13
milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos e tiram a vida de
aproximadamente 100 mil animais marinhos. As mortes ocorrem por diversos
motivos: problemas com a ingestão, asfixia e impossibilidade de locomoção
quando os animais ficam presos nos produtos descartados.
Microplásticos
Rio de Janeiro - O biólogo Jonas Leite, doutor em
oceanografia, presidente do Instituto Meros do Brasil, mostra microplástico
vindo do mar e coletados na areia da praia de Botafogo - Fernando
Frazão/Agência Brasil
O
crescimento do índice de mortalidade entre as espécies que habitam os oceanos
não é o único problema decorrente do incorreto descarte de resíduos plásticos.
Uma vez no ambiente, eles vão se fragmentando ao se ressecarem em decorrência,
por exemplo, da exposição ao sol ou da ação do sal marinho. Os pedaços ficam
tão pequenos que se inserem nas cadeias alimentares dos oceanos. Estimativas da
ONU sugerem que existem cerca de 51 trilhões de partículas de microplásticos
dispersos no oceano.
"Um
canudo, por exemplo, vai se fragmentando continuamente e liberando partículas
cada vez menores. Dependendo do tamanho dele, o microplástico adentra em todas
as etapas da cadeia alimentar dos oceanos. Começa a ser consumido pelos menores
organismos e vai passando para outros até que chega aos peixes que nos servem
de alimento. Mas podemos ingerir esses fragmentos não apenas por meio de peixes
e frutos do mar, mas também por meio de um vegetal que não foi bem limpo e até
de um copo de água", explica Jonas.
No
mês passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um primeiro
relatório sobre os efeitos dos microplásticos na saúde humana. Foram avaliados
os resultados de pesquisas recentes sobre a presença desses pequenos fragmentos
em água potável. De acordo com as conclusões, o corpo humano consegue eliminar
os microplásticos com mais de 150 micrômetros. Em relação a partículas menores,
a entidade considerou que os dados atuais ainda são extremamente limitados e
concluiu pela necessidade de mais pesquisas.
Lixo de outros locais
Segundo
o especialista em oceanografia Jonas Leite, nem todo o lixo encontrado em uma
praia é gerado no local. "Durante toda a maré cheia, o mar traz resíduos
que não foram jogados ali. O mar não tem país. E o lixo, independente de qual
país o gerou, é o mesmo para todos. Ele continua no planeta Terra. O lixo que
se joga aqui pode aparecer um dia na Argentina dependendo das correntes
marinhas".
No
ritmo atual, se nada for feito, as projeções da ONU apontam que os
oceanos terão mais plástico do que peixes em 2050. Em alguns pontos, tem
se formado as ilhas de plástico. Segundo Jonas, isso ocorre nos vórtices das
correntes marinhas.
"As
principais correntes fazem como se fossem redemoinhos, promovendo o acúmulo do
lixo em certos pontos. Esse lixo que está na superfície boiando atrai a vida
marinha. Então a presença de um marisco, um mexilhão, faz com que uma garrafa
grude na outra. E os resíduos vão sendo aglutinados pelos seres marinhos, até
que vira um grande aglomerado. Algumas dessas ilhas crescem tanto que já ocorreram
acidentes com navios e há vários países buscando soluções para a questão",
explica.
Correntes
Criada
em 2002, o Projeto Meros do Brasil é uma iniciativa com foco na conservação do
mero, uma das maiores espécies de peixes marinhos, podendo chegar a medir quase
três metros. A espécie está ameaçada de extinção e sua pesca e comercialização
é proibida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). O projeto busca promover a preservação de ambientes
associados à espécie, como o oceano, costões rochosos e manguezais.
Ao
mesmo tempo, a iniciativa desenvolve pesquisas científicas, em interlocução com
universidades e outras instituições, e atividades de educação ambiental.
"No Dia Mundial da Limpeza, todo o lixo que recolhermos vai ser
catalogado, pesado, analisado. E daí vai gerar um dado técnico a ser enviado a
autoridades competentes para servir de base para futuras legislações e ações
mais concretas por parte não só da comunidade, mas também do Poder
Público", diz Jonas.
Soluções
A
melhor solução de médio e longo prazo, segundo o gerente do Projeto Meros do
Brasil, é a conscientização tanto de consumidores como de gestores públicos.
Segundo ele, a adoção de novos hábitos pela população será um indicativo da
capacidade das sociedades no enfrentamento da questão dos resíduos e da
preservação ambiental.
"É
preciso respeitar as legislações, não pescar espécies ameaçadas de extinção.
Educar o consumidor para sempre procurar saber o que está consumindo. Saber se
o peixe que está sendo servido em um restaurante tem sua comercialização
proibida, tem período de defeso ou se vem da pesca predatória. E cuidar dos
resíduos desde o momento em que se compra os produtos. Se você tem dois
produtos similares, opte por aquele que usa menos embalagem. O consumidor tem
um poder grande de forçar mudanças na indústria em médio e longo prazo".
Segundo
ele, o mundo, inclusive o Brasil, já possui soluções para quase todas as
questões relacionadas com embalagem. "A indústria só não recorre a elas porque
é mais caro, ou porque falta interesse e o mercado continua consumindo com as
embalagens desnecessárias. Mas já tem, por exemplo, mercado embalando vegetais
e legumes com folha de bananeira. Um caso clássico é a pasta de dente. Para quê
tem uma caixa de papelão protegendo o tubo da pasta de dente? Para quê embalar
frutas com várias camadas de isopor e plástico, se a casca já é uma embalagem
natural que garante a durabilidade do alimento?", questiona.
Do
ponto de vista da gestão do lixo, ele afirma que o Poder Público deve ser
cobrado para ampliar o saneamento básico. Hoje, diversas cidades
brasileiras ainda jogam todo o esgoto sem tratamento nos oceanos. Ele lembra
que o lixo pode gerar dinheiro, através da reciclagem, e mesmo os resíduos
orgânicos podem ser usados na produção de biogás, por exemplo. "Pode
parecer que o oceano, por ser tão grande, quase infinito, tem a capacidade de
reciclar ou de sumir com as coisas. E não é bem assim", alerta Jonas.
(agenciabrasi)
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