Desmatamento em alta sinaliza aumento das queimadas na Amazônia.
Os dados preliminares sobre os focos de incêndio do início do período de seca na Amazônia, que vai de maio a setembro, associados à alta do desmatamento no ano passado indicam aos pesquisadores que a região deverá sofrer com queimadas em grande quantidade em 2020, igual ou até mais do que 2019. Os especialistas ainda não cravam o que vai ocorrer, pois as queimadas costumam começar para valer em julho, mas os sinais são preocupantes.
Em 01/07/2020 o INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) apontou que junho foi o maior número de queimadas desde
2007, com 4.596 focos de incêndios.
"A primeira coisa a dizer é que as queimadas
estão associadas ao desmatamento. Para você reduzir o número de queimadas, tem
que reduzir a área desmatada. O fogo não acontece de forma natural na Amazônia,
Alguém tem que ir lá e acender esse fogo. O que temos visto é justamente o
contrário. O desmatamento não está reduzindo, só aumenta a cada mês em relação
ao ano passado, quando subiu muito se comparado aos anos anteriores",
disse a diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia), Ane Alencar, geógrafa e doutora em Recursos Florestais e Conservação
pela Universidade da Flórida (EUA). O Ipam é uma organização científica não
governamental e sem fins lucrativos.
"O fogo é a sequência do desmatamento no
processo de conversão das florestas em pastagens ou outros usos. Com o aumento
do desmatamento, as árvores derrubadas se transformam em combustível. Uma nota
técnica recém-publicada pelo Ipam mostra que há 4.500 km² de florestas
derrubadas no ano passado que não queimaram. Somando um ano mais seco com
desmatamento em alta e tanta matéria derrubada que ainda não queimou, a
temporada do fogo de 2020 pode ser pior que a do ano passado", analisa
Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do
Clima e ex-presidente do IBAMA.
De agosto de 2018 a julho de 2019, período medido
pelo Prodes, o mais confiável sistema de monitoramento do desmatamento, a
Amazônia atingiu o recorde das derrubadas na década. Foram destruídos 9,7 mil
km² de mata, o que representou um aumento de 29,5% na comparação com o período
2017/2018.
O Ipam analisou os dados de desmatamento de agosto
do ano passado para cá e percebeu que ele pode ter continuado na curva
ascendente. Se nada for feito nos próximos meses, é possível que o Prodes de
2019/2020 indique 12 mil km² ou até 15 mil km² de área desmatada, um aumento de
até 50% na área desmatada na comparação com o ano anterior.
"Eu, se fosse do governo federal, estaria
preocupadíssima. Porque se tem um setor que tem sido menos afetado pela
pandemia é o agronegócio e ele é altamente vulnerável do ponto de vista da sua
reputação. É perigosíssimo para nosso país dar uma mensagem de que o Brasil não
está cuidando do meio ambiente. O indicador é claro, qualquer pessoa no mundo
que trabalha com sensoriamento remoto consegue ver. Se hoje o governo fechar
hoje o INPE, tem outros 300 grupos que trabalham com dados de desmatamento. Não
tem como [o governo] dizer que está fazendo alguma coisa e não está, as pessoas
têm como medir".
Para reduzir o fogo, diz Ane, é preciso combater o
desmatamento com comando e controle, mostrando sinais claros de que o governo
tem a intenção de combater a criminalidade e a ilegalidade.
Suely Araújo vai na mesma linha. "A narrativa
governamental contra a fiscalização ambiental cumulada com o desmonte dos
órgãos fiscalizadores tem levado à intensificação do desmatamento na Amazônia
desde o início do governo. Está caracterizada sinalização no sentido de um 'liberou
geral' em campo, que impulsiona o desmatamento e outras infrações ambientais,
assim como a grilagem de terras".
O desmatamento da Amazônia no primeiro trimestre de
2020 foi 51% maior do que o do período equivalente de 2019. Um terço deste
desmatamento aconteceu em Terras Públicas em processo de grilagem, ou seja,
roubo do patrimônio de todos os brasileiros.
No segundo semestre de 2019, o governo Bolsonaro
ficou acuado quando celebridades e chefes de Estado como o presidente francês,
Emmanuel Macron, alertaram sobre os danos ambientais do fogo descontrolado na
Amazônia e chamaram a atenção do mundo para a política ambiental do governo
Bolsonaro.
De lá para cá, supostamente incomodados com as
cobranças estrangeiras, Bolsonaro e seus principais auxiliares militares, como
o ministro Augusto Heleno (GSI) e o vice-presidente Hamilton Mourão, resolveram
reativar um Conselho de Defesa da Amazônia, presidido por Mourão. O organismo foi
ocupado por 17 militares e nenhum fiscal ambiental do IBAMA, a carreira
construída pelo Estado brasileiro para as atividades de campo na repressão aos
crimes ambientais.
Os militares, com Mourão à frente, desencadearam a
Operação Verde Brasil em duas etapas até agora, a primeira em agosto do ano
passado, justamente para combater as queimadas, e a segunda em maio passado.
Ainda em andamento, ela está orçada em R$ 60 milhões, o equivalente a cerca de
80% de todo o orçamento anual da área de fiscalização do IBAMA. Mourão já disse
que a operação poderá ser prorrogada diversas vezes, sem prazo para acabar.
Mas há muitas dúvidas sobre a eficácia dessa
estratégia. Para Suely Araújo, a operação não conseguiu mudar a imagem de
impunidade passada pelo governo federal desde janeiro de 2019. Em abril, no
meio a uma operação desencadeada pelo IBAMA em terras indígenas, dois
coordenadores foram demitidos, o que foi interpretado como uma vitória por
garimpeiros e madeireiros.
Em 01/07/20 a reportagem de Gustavo Uribe e Danielle
Brant na "Folha de S. Paulo" mostrou que Bolsonaro está preocupado
com a possibilidade de fuga de capitais estrangeiros do país em repúdio à
política ambiental do governo. Um grupo de investidores que detêm US$ 3,7
trilhões em ativos divulgou uma carta pela qual se mostram reticentes sobre a
condução do tema ambiental no Brasil.
O governo prepara um pacote de medidas para tentar
acalmar os investidores. Em 29/06/20 o Ministério da Defesa levou um grupo de
jornalistas para a terra indígena Yanomami, em Roraima, a fim de mostrar que
está ajudando a combater o alastramento do novo coronavírus. (uol)
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