Nesta semana, o órgão da ONU
publicou o resultado de três anos de pesquisas que revelam que o planeta vive
uma situação sem precedentes. O trabalho foi conduzido pelo Grupo de Trabalho 1
do IPCC. Mas, num informe que servirá de continuação para o debate e que está
sendo preparado para ser publicado nos próximos meses, os cientistas revelam
que essa crise terá uma tradução e consequências para a saúde humana.
Cientistas estabelecem uma
relação concreta entre "o impacto de mudanças climáticas nos ecossistemas,
sociedades humanas e sua infraestrutura, com o risco da perda de biodiversidade
e futuras pandemias".
De acordo com os cientistas
elaborado por Grupo de Trabalho 2 do IPCC, "a exploração da vida selvagem
e a perda de habitats naturais têm aumentado as oportunidades de saltos de
patógenos da natureza para as populações humanas". Não por acaso, diz o
documento, o planeta já estaria presenciando um aumento da emergência de
epidemias e pandemias. "Isso reflete a ligação entre mudanças climáticas,
mudanças de ecossistemas e saúde", destaca.
O documento está sendo preparado em plena pandemia da
covid-19 e fontes que participam da elaboração do informe confirmaram à coluna
que há uma tendência a manter um tom de alerta sobre a possibilidade de que
novos vírus possam afetar a sociedade, a partir de um maior ritmo de
desmatamento.
Para milhões de pessoas pelo planeta, a transformação
do clima e esse impacto sanitário será traduzido em miséria e fuga de suas
próprias terras. Desde 2008, uma média de 12,8 milhões de pessoas são
desalojadas anualmente por desastres naturais, sendo as tempestades e enchentes
os dois maiores motores. Mas a taxa promete aumentar.
O número de pessoas vivendo em extrema pobreza poderá ser incrementado em 132 milhões em relação aos atuais 700 milhões que já se encontram nessas condições. Como resultado, as "futuras mudanças climáticas podem aumentar o deslocamento forçado". "Mesmo com as mudanças climáticas atuais e moderadas, as pessoas vulneráveis experimentarão uma maior erosão de sua segurança de subsistência que pode interagir com crises humanitárias, como o deslocamento e a migração forçada e conflito violento, e levam a pontos de ruptura social", alertam.
Dengue na Europa e avanço do mosquito
Outro resultado previsto é o aumento de doenças não
transmissíveis e infecciosas, incluindo doenças transmitidas por vetores, pela
água e por alimentos. "As doenças transmitidas por mosquitos e carrapatos
são projetadas para se expandir para latitudes e altitudes mais elevadas",
apontaram os cientistas, indicando uma migração de doenças até agora restritas
aos trópicos. "O risco de dengue crescerá e seu alcance será espalhado na
América do Norte, Ásia, Europa e África subsaariana, colocando potencialmente
outras 2,25 bilhões de pessoas em risco", destacam.
"As mudanças climáticas provavelmente aumentarão
a capacidade vetorial da malária e a infecção em partes da África
Sub-Sahariana, África Oriental e Austral, Ásia e América do Sul. Doenças infecciosas
ligadas à pobreza se tornarão mais severas, assim como a intensidade de febres
hemorrágicas como ebola", aponta o rascunho do documento do IPCC.
Já na segunda parte do século, com a continuação dos
padrões populacionais globais, entre 1,6 bilhão e 2,6 bilhões de pessoas extras
são projetadas para viver em regiões com doenças transmitidas pela água,
vetoriais e transmissíveis e com deficiências acesso a serviços básicos e
infraestrutura de saúde.
"O aquecimento aumenta o potencial para surtos de
doenças de origem alimentar, incluindo Salmonella e Campylobacter. O
aquecimento apoia o crescimento e expansão geográfica de fungos toxigênicos nas
culturas de algas marinhas e de água doce potencialmente tóxica e
bactérias", indicam.
IPCC ainda considera como "muito provável" que temperaturas mais altas e chuvas fortes mais frequentes levem a taxas mais elevadas de doenças diarreicas em muitas regiões. "Em países de baixa e média renda na Ásia e na África, o aquecimento a 1°C pode causar um aumento de 7% na diarreia, ligado a um aumento de 8% na E. coli, e um aumento de 3% a 11% nas mortes", diz. O desenvolvimento socioeconômico deveria reduzir as mortes por diarreia, mas a mudança climática causaria mortalidade adicional entre as crianças.
Transformação na dieta
Mas a transformação do planeta não se limita à
eventual explosão de pandemias. Para o painel da ONU, doenças como diabetes e
outras relacionadas ao rim podem aumentar, em especial por conta de
temperaturas mais elevadas e poluição do ar, que terão um impacto na produção
de alimentos.
A avaliação indica que, até 2050, regiões inteiras
poderão presenciar uma transformação na produção agrícola, afetando a
composição da base alimentar de populações mais pobres. O resultado poderá ser
o aumento de doenças não transmissíveis e um impacto desproporcional entre
crianças com menos de cinco anos de idade, mulheres, idosos e indígenas.
Pela primeira vez, os especialistas na ONU alertam ainda para condições insustentáveis para trabalhadores em certas regiões do mundo, diante de novas temperaturas. O cenário, portanto, é de perda de produtividade e aumento de mortalidade. Haverá ainda uma relação entre stress, ansiedade e depressão num cenário de eventos climáticos extremos.
Os limites do calor
O calor também matará e, para o IPCC, já é hora de
começar a avaliar quais são as temperaturas toleráveis. Aumentos substanciais
no chamado estresse térmico relacionado ao calor levarão a uma maior
mortalidade e a morbidez em muitas regiões, especialmente África do Norte,
Oeste e Central.
"O excesso de mortes relacionadas ao calor nas
cidades australianas é projetado para aumentar entre 200% e 400% durante os
anos entre 2031-2080 em relação ao período entre 1971-2020", diz. Na
Europa, o número de pessoas com alto risco de mortalidade triplicará se a
temperatura no século aumentar em 3°C.
Quem não morre hoje acaba perdendo produtividade.
"Os limites às tolerâncias fisiológicas humanas de calor foram alcançados
em muitas regiões. O aquecimento está associado a uma redução estimada de 5,3%
na produtividade do trabalho nos últimos 15 anos, e chega a 10% em países de
baixa renda em baixas latitudes", constata. (uol)
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