quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Solução para um setor em transformação

O agronegócio gera 21,5% do PIB brasileiro e é responsável por 27% das emissões do país. Novas tecnologias buscam mitigar efeitos das mudanças climáticas nos cultivos e empresas de energia solar estão de olho no segmento, que já representa 14% das instalações de GD no país.
As terras agrícolas nos estados brasileiros da Bahia e do Tocantins são amplamente cultivadas com soja.

Com linhas de crédito incentivado disponíveis e mais familiaridade com investimentos em tecnologia e equipamentos para melhorar seus custos de produção, o agronegócio é um segmento com diversas oportunidades para a geração solar.

O agronegócio é uma das principais atividades econômicas no Brasil, e deve representar 21,5% do PIB nacional em 2024, movimentando R$ 2,45 trilhões no ano, segundo estimativas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, sendo R$ 1,65 trilhão no ramo agrícola e R$ 800,61 bilhões no ramo pecuário. As estimativas englobam insumos, maquinários e serviços do setor.

Ao mesmo tempo, o setor é responsável por 27% das emissões de gases do efeito estufa do país, de acordo com o estimativas do Observatório do Clima, que segue a metodologia proposta pelo IPCC. Do total de 2,3 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente emitidas pelo país em 2022, 617 milhões de toneladas vieram do setor. Além disso, a principal fonte de emissões brasileiras, o desmatamento, que correspondeu a 48% do total com 1,12 bilhão de toneladas, está fortemente associada à mudança de uso da terra para novas pastagens e lavouras.

Justamente as mudanças climáticas são associadas à quebra de safra esperada para este ciclo, com previsão de queda do PIB do agronegócio em comparação com os R$ 2,67 trilhões de 2023. A influência do fenômeno El Niño no primeiro semestre teve como consequência a grave seca no Centro-Oeste e as tempestades sem precedentes no Sul, as regiões onde estão os maiores estados produtores de soja.

Nesse contexto, novas tecnologias como pivôs de irrigação alimentados por energia solar podem ajudar o setor a aumentar a sua produtividade diminuindo seu impacto ambiental. Além disso, o arrendamento de terras para usinas de energia solar desponta como uma alternativa rentável e sustentável, capaz de gerar renda para os donos da terra, em especial nos espaços de produtividade baixa ou nula, com iniciativas públicas e privadas para promover o modelo.

Atualmente, os consumidores rurais correspondem a 14,3% da potência instalada de energia solar fotovoltaica distribuída no Brasil, com 4,3 GW do total de 30,6 GW na modalidade, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) atualizados até junho. São 239 mil sistemas. Desse total, 1,2 GW foram instalados em 2023 e mais 500 MW foram instalados em 2024.

“A tecnologia fotovoltaica é extremamente versátil e pode ser utilizada, por exemplo, no bombeamento e na irrigação de água, na refrigeração de carnes, leite e outros produtos, na regulação de temperatura para a produção de aves, na iluminação, em cercas elétricas, em sistemas de telecomunicação, no monitoramento da propriedade rural, entre muitas outras funcionalidades”, diz o presidente do Conselho de Administração da Absolar, Ronaldo Koloszuk.

A nova edição do Plano Safra 2024-2025, divulgado em julho pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), prevê R$ 508,59 bilhões para investimentos em projetos no agronegócio, e pode impulsionar ainda mais essas instalações. Suas linhas para a sustentabilidade na produção agropecuária disponibilizam recursos e opções de financiamento para produtores rurais que buscam investir em energia solar.

Irrigação

Entre as principais soluções para aumentar a produtividade e reduzir os impactos do clima nas lavouras estão as tecnologias de irrigação. E a disponibilidade de energia elétrica é justamente uma das barreiras que limitam a expansão dessa tecnologia, principalmente por pivôs de irrigação.

“O empenho conjunto de governos ajudará a melhorar a infraestrutura, para que de fato os produtores consigam implementar e utilizar os equipamentos”, diz Eduardo Navarro, vice-presidente na Lindsay Corporation, fornecedora dos pivôs.

O potencial de crescimento dessas instalações em estados produtores é considerável. O Paraná, com quase 15 milhões de hectares de terras agrícolas, tem menos de 2% da área agricultável irrigada. Em São Paulo, o governo do estado tem a meta de aumentar em mais de 2 milhões de hectares as suas terras agrícolas irrigadas. Atualmente a irrigação cobre 6% da área de plantio e, para 2030, a meta é atingir 15%. Já o Mato Grosso tem atualmente 178 mil hectares irrigados e poderia expandir para até 3,9 milhões de hectares. No final de julho, o governo de Minas Gerais instituiu uma lei para aumentar a área de agricultura irrigada no estado, atualmente em torno de 15%, para algo em torno de 40% a 50%, de maneira sustentável.

No município de São Desidério, na Bahia, a fazenda Dom Perignon, do Grupo Sementec, dobrou a sua safra de soja com um sistema de irrigação movido por energia solar e reduziu em 70% seu consumo de diesel. O projeto foi viabilizado pela Loop Energia e é abastecido por oito poços artesianos, sete pivôs centrais e três piscinões de armazenamento com capacidade total de 600 milhões de litros de água, atendidos por uma rede interna e privada de média tensão de 34.5kV em uma distância de 21 km.

O sistema off-grid consiste em 1,2 MW de solar, com mais de 2 mil módulos bifaciais de 545 W da JA Solar, conectados a nove inversores da PHB, e cinco geradores a diesel, três de 700 kW e dois de 550 kW. Para controlar e gerenciar a tecnologia das redes inteligentes, foram utilizados os controladores da dinamarquesa Deif.

“Com mais de 900 hectares de plantação de soja, a fazenda abraçou a energia solar como um estímulo adicional para aumentar a produtividade e reduzir os custos de produção”, explica o CEO da Loop Energia, Luvânio Lopes. Antes, o gasto com diesel somava quatro mil litros por dia e baixou para mil litros/dia, representando uma economia de R$ 500 mil por mês. Além disso, a tecnologia smart grid possibilitou um aumento de produção de soja de 40 a 60 sacas por hectare para mais de 100 sacas por hectare por safra.

Outra fazenda produtora de soja e milho, no município de Guaíra, em São Paulo, instalou um sistema fotovoltaico de 37,26 kWp com 92 módulos fotovoltaicos para bombear a água do rio que passa ao lado e abastecer o pivô no cultivo da soja. Com a instalação do gerador solar, a economia mensal do produtor é de R$ 3 mil.

De acordo com diretor comercial da Evolve Energia Solar, Gabriel Ferrari, atualmente apenas um dos dois pivôs é acionado por energia solar, mas o retorno do investimento, em três anos, deve viabilizar a expansão do sistema para o outro pivô e outros equipamentos.
Do off-grid ao arrendamento para geração compartilhada, empresas de solar apostam no nicho agro

Com a disponibilização de recursos incentivados para o agronegócio, como as baixas taxas de juros, prazos e pagamento e carências estendidos, diversas empresas do setor solar passaram a mirar o segmento.

O Grupo MTR, que distribui e fabrica equipamentos para o setor solar, lançou recentemente em parceria com a fabricante de inversores GoodWe uma nova “Vertical Agro”, para oferecer soluções híbridas de energia para o agronegócio. O foco principal é o fornecimento de energia para pivôs de irrigação com um sistema fotovoltaico combinado com bateria. A solução levaria a uma redução significativa nos custos com irrigação, possibilitando uma economia de até 70% em comparação com o uso apenas de geradores a diesel.

“Com mais irrigação e otimização de processos, com o mesmo espaço de terreno poderão ser realizadas de 2 a 3 plantação a mais por ano, um ganho não só de energia mas operacional também. A MTR oferece todos os serviços ao produtor rural, desde a compra dos equipamentos como módulos, estruturas fixas, trackers até a entrega de toda estrutura no local”, diz o CEO da MTR, Thiago Rios.

Outro exemplo é a distribuidora de equipamentos Genyx, que criou em 2023 uma unidade de negócios com uma equipe dedicada e abordagem personalizada para o perfil desse segmento. “Empresas da capital querem vender por telefone, pelo whatsapp. Vamos primeiro no sindicato rural, de café de leite, nos aproximamos dos vendedores de outros equipamentos e insumos”, diz o diretor de Relações Institucionais da Genyx, Bruno Catta Preta, sobre a abordagem personalizada. “O produtor não quer um power point no email dele, quer tomar um café, conversar olho no olho. Também não se assusta com um investimentos de R$ 700 mil, R$ 800 mil, porque está acostumado a ter gastos com equipamentos caros como pivôs, caminhões, colheitadeiras”, comenta o executivo, acrescentando que os pivôs de irrigação, por exemplo, são equipamentos caros e que muitas vezes a rede da concessionária não consegue manter ligados.

Além disso, a baixa qualidade da rede de transmissão de energia elétrica que chega às propriedades rurais pela rede das concessionárias é um incentivo para adoção não só de sistemas solares como também de armazenamento com baterias.

“As linhas de distribuição no segmento rural são uma linha longa e quase sempre única. São poucas conexões que estão propensas a grandes oscilações, já que percorrem grandes distâncias e com baixa densidade de consumidores por km. A manutenção também é mais complexa, a qualidade da energia elétrica é pior do que em grandes centros urbanos e é comum a incidência considerável de distúrbios elétricos. Em alguns casos, essas propriedades podem ficar até um dia e meio ‘no escuro’”, diz o gerente sênior de Marketing de Produto da Growatt, Silvio Robusti.

A companhia forneceu os inversores para um sistema solar off-grid 23,76 kWp instalado em um sítio no município de Tatuí, no interior de São Paulo, que possibilitou o início da perfuração de um poço artesiano para acesso à água potável e a construção de duas casas no local. O sistema conta com quatro baterias de lítio Dyness de 9,6 kWh e 54 módulos fotovoltaicos monocristalinos com potência de 440W da JinkoSolar.

Já o Projeto 3 Marias, desenvolvido pela Orion-E em parceria com a BYD é voltado para a produção e entrega de energia solar por meio do arrendamento de terras do pequeno produtor rural para a instalação de usinas fotovoltaicas. A BYD é responsável pela construção das usinas, acionando empresas integradoras credenciadas, e a Orion-E é responsável pela locação para o cliente final. O arrendamento pode elevar a renda das famílias em até 40%, com contratos por um período de até 30 anos, com potencial de alcançar parte dos quase 4 milhões de produtores rurais inscritos na agricultura familiar espalhados por todo o território brasileiro.

Outro projeto, o Plante Solar, da startup Agrosolar, será responsável pela entrega de 10 pequenas usinas de 25 kW em pequenas propriedades, para suprir a demanda do poder público do município de Tanque D’arca, Alagoas. O projeto inclui ainda a instalação de mais 3 kW para atender a demanda interna dos produtores rurais.
Agrovoltaica em projetos pilotos no Brasil

Além das aplicações de solar para abastecer a produção e equipamentos rurais, quando a geração solar ocorre na mesma área em que o cultivo ou a pastagem são feitos, com os painéis instalados acima do solo e de forma a otimizar o microclima abaixo para as culturas específicas, a solução é chamada de Agrovoltaica ou Agrivoltaica.

Essa configuração já está sendo testada em projetos de P&D no país. A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), está instalando em uma área 300 m², um sistema fotovoltaico de 33 kWp que ficará entre 2,8 e 3 metros acima do solo. O projeto tem duração total de quatro anos, orçamento de R$ 1,5 milhão, e apoio da Fapemig, a fundação de amparo à pesquisa de Minas Gerais.

“Apesar de o Brasil ter grande extensão territorial, as áreas mais propícias para geração fotovoltaica são as mesmas que são mais propícias para desenvolvimento de culturas. Pode existir uma disputa futura entre áreas para cultivo de alimento e de geração solar e o que a gente quer é otimizar o uso da terra. Já há relatos de produtores rurais que não se interessam em instalar energia solar porque isso inviabiliza o uso da terra para plantio. Por isso a gente acredita no potencial do sistema”, diz a pesquisadora Polyanna Mara de Oliveira.

O projeto piloto será instalado no campo experimental da Epamig no Projeto Jaíba, que é o maior perímetro de irrigação pública da América Latina e reúne diversos agricultores.

Já o Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina (Fotovoltaica UFSC) instalou em seu campus um sistema agrovoltaico de 100 kW com recursos da Repsol, através do programa de P&D da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), que utiliza painéis fotovoltaicos desenvolvidos no Brasil pela BYD mirando aplicações no agronegócio e na arquitetura. (pv-magazine-brasil)

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