‘Se entendermos a floresta não será preciso derrubar um
galho de árvore’
Em
entrevista à Agência Fapeam, o pesquisador Niro Higuchi apontou as causas do
desmatamento na Amazônia e soluções para o problema.
Pesquisador
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e pelo
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com trajetória científica
reconhecida em todo o mundo, Niro Higuchi, ressaltou a importância da floresta
amazônica para o desenvolvimento econômico e social do planeta.
Membro
titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e da Academia Brasileira de
Ciências (ABC), o pesquisador destacou a importância da formação de recursos
humanos altamente qualificados que sejam capazes de entender as interações e
associações que ocorrem com a floresta amazônica. Para ele, não é possível tentar
utilizar a floresta amazônica sem conhecimento de alto nível.
Confira
a entrevista:
Agência
Fapeam (AF): Em um momento no qual os líderes de todos os países estiveram
reunidos para discutir a preservação ambiental e muito se discute,
principalmente, sobre o papel da Amazônia, como temos contribuído em um cenário
mundial com a preservação do meio ambiente?
Niro
Higuchi: A floresta amazônica é a maior floresta contínua do mundo e está
relativamente preservada. Diria, hoje, que a nossa estimativa não alcança 15%
do desmatamento da Amazônia. Então, temos 85% de uma área gigantesca
preservada, ou seja, 450 milhões de hectares. Só este fato ganha uma
importância enorme, pois com esse bioma preservado, há ainda muita
possibilidade de entender como eles funcionam em condições naturais e como
poderão responder quando alterado ou modificado, ou, até mesmo, quando
impactado por outro tipo de uso da terra. Portanto, o papel da Amazônia no
ambiente mundial é extremamente relevante apesar de que ainda é pouco conhecido.
Mas, diante do desconhecido é melhor seguir a estratégia de preservar o bioma.
A.F:
Relaciona-se a preservação da Amazônia como uma maneira de brecar as mudanças
climáticas. Isto é possível ou esse processo de mudanças no clima alcançou um
estágio irreversível?
Niro
Higuchi: Vamos falar no singular. A mudança climática foi identificada com um
aumento de temperatura no planeta Terra no período de 1880 até 2004, e depois
eles estenderam esse prazo até 2012, então foi constatado um aumento de
temperatura, um aquecimento global, isto é, uma mudança climática. Mas, tudo
isso foi causado pela tecnologia. O que eu quero dizer é que se você colocar a
floresta amazônica e compará-la com todos os outros tipos de atividades, todas
as outras atividades do ser humano envolvem tecnologia.
Mais
de 80% das emissões e do estoque de gás de efeito estufa na atmosfera foram
causados por causa do desenvolvimento tecnológico. Então, o desmatamento, seja
da Amazônia ou de qualquer floresta, contribui com menos de 20% nesses gases de
efeito estufa e esses gases são o que realmente causam todas essas ‘dores de
cabeça’ para o planeta Terra.
Olhando
apenas por esse aspecto, se resolver o problema do desmatamento da Amazônia,
resolvo apenas 20% do problema, isso se todo o desmatamento fosse na Amazônia,
o que não é. O que nós temos de resolver é todo 100% e 80% dependem da
tecnologia. Para ser muito objetivo, a tecnologia criou o problema que levou ao
aquecimento global e não tem alternativa, é a tecnologia que tem de achar uma
solução para resolver essa questão de mudança climática.
A.F:
E qual seria essa alternativa?
Niro
Higuchi: O clássico do clássico era você desmatar e substituir a floresta por
outro uso de terra, como por exemplo, a agropecuária, a produção de alimentos
entre outros, porém não é o que ocorre. Temos uma floresta que foi desenvolvida
há milhares de anos e para essa floresta ter se desenvolvido, ela dependeu de
muitas interações com o solo, com o clima, com todos os seres vivos de todos os
ecossistemas. Então, quando você tem todo esse processo evolutivo, muito
conhecimento é agregado a isso.
Teríamos
que tentar entender como, por exemplo, essas plantas se desenvolvem e
aproveitar delas esse banco de informações. Se a gente conseguisse utilizar a
floresta, utilizando apenas o banco de informações, não seria preciso derrubar
um galho de árvore. Mas, se a gente for para um lado mais prático, o que se
fala muito é da biodiversidade e ela não demanda destruição de floresta. Você
pode utilizar a biodiversidade e agregar muito valor a essa floresta, mantendo
todos os serviços ambientais da mesma.
Nós
temos condições, só depende do conhecimento, da geração de tecnologia para
aproveitar a floresta apenas das informações que estas desenvolveram ao longo
do seu tempo.
A.F:
Como a pesquisa científica pode auxiliar em todo este processo de conservação
ambiental, desenvolvimento e controle do desmatamento?
Niro
Higuchi: A floresta Amazônica é uma floresta extremamente complexa, heterogênea
e igualmente frágil e estamos diante desse tipo de informação. Não é possível
tentar utilizar esse tipo de floresta sem conhecimento, conhecimento de alto
nível.
Tudo
tem que começar pela pesquisa básica e temos de entender, realmente, como essa
floresta e todas as suas interações e associações funcionam em condições
naturais. Depois de entendermos isso, nós temos condições de prever ou
desenvolver alguma estratégia de mitigação dos efeitos dessas intervenções.
Isso demanda muito estudo científico e, principalmente, conhecimento básico.
A.F:
Em meados de 2012, o senhor declarou que a floresta Amazônica sequestrava da
atmosfera cerca de uma tonelada de carbono por hectare ao ano. Esse valor
aumentou? Conseguimos mensurar o impacto do desmatamento neste processo?
Niro
Higuchi: Esse estudo é muito localizado, é um estudo baseado apenas nas
informações que nós coletamos na nossa estação experimental em poucas parcelas,
e é um estudo de certo prazo, são quase trinta anos de observações.
Então,
ao longo desse tempo, nesse pequeno espaço de floresta, nós observamos que essa
floresta, em condições naturais, tem tido capacidade de sequestrar uma tonelada
de carbono da por hectare/ano. A pergunta que se faz é se eu posso extrapolar
isso para toda a Amazônia e se isso vai acontecer em toda a região. Se isso
acontecer em toda a Amazônia, a floresta, só em termos de sequestro de carbono,
ou seja, de limpeza da atmosfera, tem um papel extraordinário, pois essa
capacidade de sequestro tem condições de neutralizar todo o carbono emitido
pelo Brasil.
A.F:
Temos um Código Florestal vigente que, mesmo necessitando ser readequado a
determinadas realidades regionais, trouxe um avanço. Na sua avaliação, qual
política adequada para conservação da floresta Amazônica?
Niro
Higuchi: Quando falamos em quadro florestal, temos de lembrar que o primeiro
quadro florestal, de fato, foi aprovado em 1932, depois em 1965 e, finalmente,
em 2012. Então, na realidade, nós temos três Códigos Florestais que, se
olharmos historicamente, de 1932 a Mata Atlântica praticamente desapareceu, o
cerrado foi muito impactado com o uso da terra, e outros biomas no Brasil
também sofreram grandes impactos desde 1932.
Então,
o Código Florestal não resolveu o problema e quando comparamos os três Códigos,
pouca coisa mudou e todos eles tinham como premissa básica, conter o
desmatamento, o que não funcionou.
No
ponto de vista relativo, nós temos um desmatamento de apenas 15%, mas no ponto
de vista absoluto, o desmatamento na Amazônia é muito grande, principalmente se
você olhar o retorno (social, rural ou financeiro) que esse desmatamento foi
dado para a região Amazônica. Eu acredito que a grande novidade do novo Código
Florestal é a introdução do cadastro ambiental rural, que irá trazer um
controle melhor da terra, da propriedade. Se nós conseguirmos implementá-lo,
nós vamos ter uma grande arma contra o desmatamento de fato. Mas a gente nunca
pode ter certeza que a lei, realmente, será cumprida. Então nós temos de
esperar, pois nós temos uma lei muito interessante, bonita, bem cuidada, mas há
poucos investimentos de pessoal, de equipamento, pra licenciar e fiscalizar.
A.F:
Como o senhor acredita que a floresta Amazônica estará daqui a dez anos?
Niro
Higuchi: Se nós considerarmos apenas a ação do homem, com a diminuição das
taxas de desmatamento nos últimos dez anos, então diria que a Amazônia vai ter,
do ponto de vista de paisagem, uma modificação pequena. No entanto, o que nós
temos observado é que ações naturais, consequência ou não da mudança climática,
tem ocasionado na paisagem amazônica uma mudança muito maior e mais intensa que
a própria ação humana, principalmente por causa das secas e das tempestades.
Portanto,
a paisagem irá mudar muito pouco, dependendo apenas a ação antrópica que, por
incrível que pareça, é muito mais previsível do que a ação natural que a gente
perdeu completamente o controle. (ecodebate)
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