Climatologista da UFRJ relaciona ondas de calor com
aumento dos óbitos no Rio de Janeiro.
A comunidade científica e grande parte da sociedade
não têm mais dúvida de que as mudanças climáticas e o aquecimento global terão
consequências cada vez mais graves e preocupantes para a população mundial.
A
perspectiva é de que a cada ano as ondas de calor e frio sejam mais intensas,
as chuvas e os ventos mais fortes e as secas mais prolongadas e severas, em
consequência do aumento da temperatura do planeta. Há ainda a ameaça da
aceleração do derretimento das calotas polares, elevação do nível médio do mar
e da acidificação dos oceanos. A novidade é que pesquisadores brasileiros de
diversas áreas começam a identificar os impactos das mudanças climáticas na
saúde da população.
Doutora
em Ciências Geofísicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a
meteorologista Renata Libonati acaba de ter publicado seu artigo
“Caracterizando as condições atmosféricas durante a onda de calor de 2010 no
Rio de Janeiro, marcadas por taxas excessivas de mortalidade” numa das
principais revistas científicas internacionais, a Science of the Total Environment,
editada pela Elsevier. É o primeiro trabalho no Brasil que reúne
meteorologistas, geógrafos e epidemiologistas, em colaboração com o grupo de
Geofísica e Climatologia da Universidade de Lisboa, liderado pelo professor
Ricardo Machado Trigo, cientista convidado do Departamento de Meteorologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio da FAPERJ.
Professora
Adjunta do Departamento de Meteorologia da UFRJ, Renata conduziu seu
pós-doutorado com bolsa do programa de Apoio ao Pós-doutorado no Estado do Rio
de Janeiro (PAPD-2013), com o título “Utilizando Dados de Sensoriamento Remoto
para Análise de Eventos Extremos”. Seu propósito é colocar em prática o
resultado das pesquisas acerca das mudanças climáticas em benefício da
sociedade, especialmente no setor de saúde.
“A
relação entre clima e saúde para a elaboração de políticas públicas é bastante
comum na Europa, mas ainda está engatinhando no Brasil”, afirma a
climatologista, que atualmente é financiada pelo Instituto Serrapilheira e
integra a equipe de pesquisa da Universidade de Lisboa. Segundo ela, em agosto
deste ano, a temperatura na capital portuguesa bateu recorde, atingindo 44°
Celsius e enquanto duraram as temperaturas extremas, a população foi intensamente
alertada para os cuidados a serem tomados para evitar a desidratação, o que,
entretanto, não impediu a ocorrência de óbitos.
Foi
também a partir da incomum onda de calor que assolou a região metropolitana do
Rio de Janeiro em 2010 que a pesquisadora buscou a colaboração do Observatório
Nacional do Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para cruzar os
dados e constatar que o número de óbitos durante aquele evento não só havia
aumentado, mas também foi o maior quando comparado com o mesmo período dos
últimos 16 anos. Para Renata Libonati, a questão principal foi investigar como
os esses eventos climáticos extremos impactam o índice de mortalidade no Estado
do Rio de Janeiro, apesar de a região ter clima naturalmente quente.
À
esq., imagem da anomalia de temperatura no período de 2 a 9 de fevereiro de
2010. À dir., picos de temperatura e de mortalidade observados na região
metropolitana do Rio de Janeiro durante a onda de calor.
“O
calor extremo, que costuma durar cerca de três dias, permaneceu por oito dias
no início de fevereiro de 2010. Para agravar ainda mais a situação, não houve
precipitação no período”, explica a meteorologista. Segundo ela, a região
metropolitana do Rio de Janeiro registrou, em oito dias, 3.006 óbitos, 737 a
mais que a média, sendo a maioria entre mulheres e idosos acima de 65 anos. As
regiões mais carentes, onde a maioria da população não conta com infraestrutura
e equipamentos que promovam conforto térmico, como ar refrigerado, foram – e
sempre serão – as mais afetadas. Entre as condições meteorológicas que
favoreceram o evento, a pesquisadora destaca a presença de uma massa de ar
quente estacionária sobre a América do Sul, processos de retroalimentação entre
a superfície e a atmosfera, além de ventos catabáticos – originados nas
montanhas –, cuja ação agravou também o resfriamento noturno, mantendo as
temperaturas mínimas elevadas.
Seropédica,
Mesquita, Magé, e Guapimirim foram os municípios com maior incidência de
mortes, especialmente ligadas a complicações do aparelho respiratório e a
problemas cardíacos. “As pessoas idosas são mais vulneráveis, pois perdem a
capacidade termorreguladora, tanto no calor quanto no frio extremo, e deixam de
se hidratar ou se agasalhar, agravando muitas doenças prévias, em especial as
do aparelho respiratório e do coração”, explica Libonati. Outra preocupação dos
pesquisadores envolvidos no tema é a proliferação do mosquito transmissor da
dengue. Estatísticas indicam que uma mulher grávida contaminada tem três vezes
mais risco de morrer e seu bebê 50% mais risco de nascer com um distúrbio
neurológico (mesmo sem considerar a microcefalia). A próxima etapa da pesquisa
é a análise das causas mortis e
sua relação com doenças pré-existentes e, futuramente, estender a investigação
para outros estados brasileiros.
Coordenadora
do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, Renata ressalta
que os grandes centros urbanos e as regiões metropolitanas sofrem também do
fenômeno denominado Ilhas de Calor, capazes de amplificar os efeitos das
mudanças climáticas. A ocupação imobiliária, com excesso de obstáculos de
concreto dos altos prédios, dificulta a circulação de ar e aquece o ambiente,
gerando uma ilha de calor, em comparação com o entorno rural e florestal.
Aliado a isso, falta cobertura vegetal que ajude a regular a temperatura e o
solo, praticamente impermeabilizado pelas calçadas e asfalto, também impede a
infiltração da água das chuvas.
Durante
o Encontro Internacional Sobre Clima e Saúde, promovido pelo Instituto Clima e
Sociedade (iCS) dia 13 de setembro, em Brasília, a geógrafa e professora da
Universidade de Brasília Helen Gurguel destacou que os últimos dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o aumento da temperatura
terrestre deverá ocasionar 250 mil mortes no mundo entre 2030 e 2050. A maioria
ocasionada por doenças transmitidas por vetores, como malária e dengue, mas
também por estresse ao calor, redução da capacidade de trabalho, doenças
respiratórias, transtornos mentais, desnutrição e diarreia – decorrentes da má
qualidade e da escassez da água –, alterações da temperatura e eventos
climáticos extremos (inundações e secas). Segundo estatísticas, a poluição do
ar poderá ocasionar, neste mesmo período, sete milhões de óbitos. As mudanças
climáticas – lembra a pesquisadora – também ameaçam a produção de alimentos,
que corre risco de ser escassa no futuro.
Helen
Gurgel sugere, entre as mudanças necessárias para mitigação, a redução do uso
de combustíveis fósseis a fim de melhorar a qualidade do ar; a construção de
moradias “verdes” que agreguem novas fontes de geração de energia e reciclagem
de lixo; ampliação do saneamento básico, promoção de uma agricultura mais
sustentável e aumento em pesquisa e inovação para mitigação e adaptação à
mudança climática. E chama atenção para a definição da OMS: “Saúde é um estado
completo de bem-estar físico, mental e social, e não só a ausência de doença”.
(ecodebate)
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