Poluição do ar: um assunto transversal nos 17
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Análise é feita pelo médico-patologista e pesquisador Paulo Saldiva,
diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
(IEA/USP), em entrevista especial ao Blog Cidadãos do Mundo.
Não é por acaso que o sistema
da Organização das Nações Unidas (ONU) elencou a poluição do ar como assunto
prioritário na agenda mundial, neste ano, relacionado aos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS), com metas estabelecidas
pelos países até 2030. Para subsidiar esta pauta, várias iniciativas estão
ocorrendo, entre elas, a elaboração do documento “Poluição do Ar e Saúde. Uma
iniciativa político-científica da Academia de Ciência da África do Sul, da
Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Ciências da Alemanha
Leopoldina, das Academias Nacional de Medicina dos EUA e Nacional de
Ciências dos EUA.
As organizações propõem a
implementação de um pacto global para o controle e redução da poluição do ar,
que seja uma prioridade para todos (líderes de governos, empresas e cidadãos).
Um exercício para se repensar e revitalizar as cidades, as regiões
metropolitanas quanto ao aspecto de uso e ocupação do solo, mobilidade urbana,
fonte de energia e saúde ambiental, entre outros. A proposta foi apresentada na
sede da ONU, em Nova York, em junho deste ano.
Afinal, a sustentação na esfera
da geopolítica internacional não falta. Como argumento, mencionam a já
existência de diferentes acordos, resoluções, convenções e iniciativas. Entre
essas, estão o Protocolo de Montreal, a Convenção sobre a Poluição Atmosférica
Transfronteiriça a Longa Distância da Comissão Econômica para a Europa das
Nações Unidas, e a resolução sobre os impactos da poluição do ar na saúde humana
da Assembleia Mundial da Saúde (ligada à OMS).
No documento, ainda enfatizam
que – “…O crescimento econômico que aceita a poluição do ar e ignora os
impactos ambientais e na saúde pública é insustentável e antiético. A queima de
combustíveis fósseis e de biomassa é a maior fonte de poluição do ar a nível
global”.
No grupo de cinco pesquisadores
brasileiros, que compõem a produção do documento internacional, se encontra o
patologista e pesquisador Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), que é o entrevistado especial
desta semana, do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk.
Estudioso internacional em saúde ambiental, há algumas décadas, Saldiva explica
de forma didática, como o nosso organismo retrata os impactos da poluição do ar
nas grandes cidades e consegue traduzir como acontece essa relação no meio
ambiente, por meio de constatações de mais um estudo recente que realizou com
equipe, em São Paulo. Ao mesmo tempo, aprofunda sua leitura sobre a
configuração transversal do tema, nos 17 ODS/ONU.
Também
integraram este grupo seleto com Saldiva, os professores Maria de Fátima
Andrade, Paulo Artaxo, Nelson Gouveia (USP) e Simone El Khouri Miraglia, da
Unifesp.
Para multiplicar as informações
e orientações sobre esta agenda, com gestores à sociedade, foram também
lançadas aqui no Brasil, no contexto regional da América Latina e Caribe, a
campanha “Respire Vida”, com a cartilha
“16 Medidas pela qualidade do Ar nas Cidades – um Chamado pela Saúde e pelo
Meio Ambiente”, organizada pela Organização
Pan-Americana de Saúde e pela ONU Meio Ambiente. O material destaca sugestões
nas áreas de mobilidade urbana, geração de energia, processos industriais,
ambiente doméstico, ambienta rural, gestão de resíduos e saúde humana. Um dos
motivos cruciais: nesta região um percentual estimado de 80% da população vive
em cidades.
Confira a entrevista de Paulo
Saldiva sobre poluição do ar e saúde:
Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk – Professor Saldiva, no estudo sobre os efeitos da poluição
do ar na saúde, que realizou com equipe de pesquisadores, na Faculdade de
Medicina da USP, financiado pela Fapesp e publicado na revista científica
Environmental Research recentemente, foram
autopsiados 413 cadáveres na capital paulista. O que esta avaliação constatou e
soma a alertas anteriores a respeito deste tema?
Paulo Saldiva – O estudo trata da
relação da poluição do ar e o acúmulo de poluentes no pulmão de humanos.
Primeiro, na cidade de São Paulo, a poluição é praticamente dominada pelo
tráfego veicular. As indústrias gradativamente saíram da cidade ou foram
atraídas para outros municípios, que apresentavam mais alternativas, além do
imposto e de outras dificuldades do zoneamento urbano. Então, ficou o tráfego e
a única indústria que permaneceu em São Paulo, foi a indústria da construção
civil, que transforma o solo urbano em uma commodity e não em um common.
Deixe-me explicar: o solo urbano passa a ter mais valor em áreas com maior
acesso a serviços públicos, entre outros. Assim os empreendimentos comerciais
ocupam estes espaços e o preço venal, seja de posse ou aluguel aumenta
bastante. Então, as pessoas que menos podem vão morar cada vez mais longe, onde
pode pagar por sua moradia. Isso impõe uma carga enorme de deslocamentos porque
a cidade de São Paulo interage funcionalmente com outros municípios da região
metropolitana e até com outras regiões metropolitanas. Por exemplo, é comum que
pessoas que moram em Jundiaí, Campinas, Sorocaba, Santos e São José dos Campos,
elas trafeguem em direção a São Paulo e vice-versa, fazendo com que sejamos um
conglomerado de metrópoles, ou seja, de uma espécie de “metápolis”. Também é
comum que passemos de quatro a cinco horas no trânsito.
Blog Cidadãos do Mundo – O que este estudo revela de alerta e mudanças emergentes
no contexto da mobilidade urbana nas grandes cidades?
Paulo Saldiva – Quando você vê a rede de monitoramento ambiental da
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que tem séries históricas
desde os anos 70, você percebe que, de fato, houve uma redução da poluição, mas
existe uma concentração de poluentes na região central da cidade, onde existem
mais carros e mais congestionamentos. Então, como visto pelo olhar das estações
de monitoramento, a poluição é um fenômeno do centro da cidade de São Paulo. No
entanto, quando se olha na sala de autópsia, o pulmão dos paulistanos, é
possível ver pequenas manchas de carbono, às vezes, até em grande intensidade,
da mesma forma que acontece com os fumantes. Este carbono (esta fuligem) é
inalada pelos pulmões e como possui substâncias tóxicas, produz certa reação
inflamatória e pode ficar preso para sempre ali, como forma de uma cicatriz
escura. E se pode medir isto. Foi o que a gente fez. Na sala de autópsia do serviço
de verificação de óbitos, que funciona na Faculdade de Medicina da USP, nós
fotografávamos a superfície do pulmão, medíamos a superfície da pleura ocupada
por manchas escuras. Tínhamos de pedir a autorização das famílias para fazer
isto e ao mesmo tempo apresentávamos um questionário que relatava o tempo de
moradia em São Paulo, tempo de ocupação, se era fumante ativo ou passivo, e
como também tínhamos o endereço, dava para saber a densidade de ruas e tipo de
tráfego da região onde a pessoa morava e até a proximidade a uma avenida de
maior fluxo.
Blog Cidadãos do Mundo – E quanto à saúde preventiva e ao comportamento da sociedade em
cidades metropolitanas, como São Paulo?
Paulo Saldiva – Bom, o que deu para ver é que quando você coloca, então,
cada pulmão de indivíduo em uma estação de monitoramento, é que a poluição não
é um fenômeno da região central e, sim, da periferia da cidade. Como é que a
gente explica isto? Possivelmente, estas pessoas que moram mais longe do
centro são aquelas que permanecem mais tempo circundadas por canos de
escapamento, presas em congestionamentos intermináveis, enquanto vão e voltam
no caminho da sua casa até o seu serviço. Também há muitas pessoas em São
Paulo, que ao findar as oito horas do trabalho convencional, quando têm, fazem
um bico dirigindo carros ou entregando coisas nas ruas da cidade. Então, embora
tenhamos reduzido a poluição doa ar da cidade, isso, um fruto de uma política
de melhoria tecnológica de motores e combustíveis, nós ainda temos como fator
determinante da nossa dose, o tempo que permanecemos nas ruas e os nossos
hábitos de mobilidade. Ou seja, embora a nuvem de poluição quando a gente olha
de cima a cidade, seja mais ou menos homogênea, quem leva mais poluição dentro
de si, são aqueles que ficam mais tempo no tráfego. Isso é
equivalente a quatro a cinco cigarros por dia, porque nós temos dessa fuligem
inalada, fumantes e não fumantes, nessa série de pacientes e
podemos, então, comparar o equivalente tabágico do que representa o
deslocamento urbano em nossas ruas. Isso é mais ou menos o resumo deste
trabalho.
Esta pesquisa sobre este
“tabaco ambiental” foi publicada recentemente, em junho, na Environmental
Research.
Blog Cidadãos do Mundo – Com estas constatações, qual sua análise sobre as mudanças
emergentes necessárias para combater a poluição, que competem à gestão pública,
desde a questão energética ao custo à saúde humana?
Paulo Saldiva – Para combater a poluição, não bastam só novos motores e
tecnologias, mas temos de pensar transporte público de baixa emissão e alta
eficiência. Quanto a políticas públicas, tudo está inventado, nada precisa ser
descoberto, mas ser, sim, implementado. O controle da poluição do ar depende de
fontes de energia mais limpas, que já estão disponíveis e de priorizar o transporte
coletivo de baixa emissão, que também está disponível. Para isso, a gente
precisa colocar os co-benefícios econômicos do controle da poluição. Controlar
a poluição dá lucro. Então, para cada unidade de investimento em controle de
poluição, geralmente se ganha de duas a três mortes evitadas e o aumento de
produtividade no país. É por isso que muitos países, inclusive, a China, estão
pegando pesado no controle da poluição do ar. Este controle também leva ao
controle dos GEES por causa da eficiência energética.
Blog Cidadãos do Mundo – Professor, fale mais a respeito da necessidade dessas
mudanças emergentes, que envolvem também a mudança de comportamento da
sociedade.
Paulo Saldiva – O que tem de ser
feito? Basicamente fazer conta. Hoje a gente está subsidiando energias sujas
com vidas humanas e dinheiro. Quer dizer que isso não é justificável, nem do
ponto de vista moral, fazendo as pessoas morrerem antes do tempo,
principalmente as mais pobres; como também, não é econômico. Porque o dinheiro
que você arrecada desta economia ao utilizar uma energia suja, como carvão,
você perde em redução de produtividade econômica e em custos diretos e
indiretos da saúde. Há vários estudos mostrando isso. No nosso caso
específico do Brasil, não acredito muito nas políticas públicas. A gente carece
– no artigo princípio valores, está em falta na prateleira da política
nacional, no almoxarifado, nós deveremos ter mudanças de comportamento. Elas já
estão ocorrendo. Há um maior apelo para transporte coletivo, já há mais interesse
em você utilizar transporte público e morar mais perto da condução. A ideia de
possuir um carro e gastar de forma absurda, como levar mil quilos de latas para
qualquer lado que você vai, está perdendo espaço entre a população mais jovem.
Para quem insiste nestas práticas, não é que estas pessoas sejam
intrinsecamente más, mas insistem porque são frutos de uma educação e cultura
que foram vigentes até muito recentemente. Se você visitar as páginas de
anúncios imobiliários, por exemplo, do Estadão, como eu fiz, dos anos 70 e 80,
a maior propriedade de um apartamento era número quartos e de vagas na
garagem. Hoje é a proximidade de um parque, um terminal de metrô ou de ônibus.
Enfim, a metragem está caindo muito e nós não estamos precisando mais de tanto
espaço para viver. É um processo lento, mas vai ocorrer. Eu sou otimista. As
cidades que geraram os problemas, mas nas ruas das cidades é que mora a
criatividade, principalmente nos momentos de crise.
Blog Cidadãos do Mundo – Qual é a relação da poluição atmosférica com as 17 metas
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU?
Paulo Saldiva – Quanto à relação entre o controle da poluição e as metas
de atingimento dos ODS/ONU para 2030, eu não consegui achar sequer uma das
metas das 17 que não encaixasse espaço para o controle da poluição do ar. Este
tema passa por educação, ou seja, mudança de comportamento e educação mais
saudável, cidades mais eficientes, diminuição da equidade, uma vez que as
pessoas que menos podem são as que recebem mais poluição. A poluição é mais
frequente nos países mais pobres e dentro dos países pobres, nas comunidades
mais desfavorecidas. Atinge a saúde, o controle tanto de doenças infecciosas,
crônicas e não-transmissíveis – como diabetes, enfarte e câncer. Nós também
temos um objetivo, que é o controle da poluição, quando melhora a eficiência e
utiliza combustíveis mais limpos e tecnologias mais eficientes. Dessa forma,
você reduz ao mesmo tempo, a emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEEs). Ao
fazer isso, melhora, inclusive, a segurança alimentar. (ecodebate)
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